quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Cena na Biblioteca Municipal


Hoje, fui na biblioteca municipal
E vi um mendigo
Sentado
Curvado
Cabeça repousava na carteira
Babava um pouco no canto da boca
E usava um livro como travesseiro

Porque os livros são feitos
Pra sonhar

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Os Idiotas


Há idiotas até em Águas Internacionais. Piratas lutam contra eles, diariamente. Em terra firme existe um sem-número. Eles têm bandeiras e cânticos. O mundo está infestado. Segundo consta, é a maior epidemia de idiotice de que se tem registro. Anos depois de Cristo, claro. Antes, nenhum idiota foi capaz de contabilizá-los.

Diante desse devastador cenário, os homens das Ciências Humanas, com suas bibliotecas abarrotadas, só serviram para apontar o problema. "Há muitos idiotas no mundo", concluíram, após longos estudos quantitativos e qualitativos. Porém, as metodologias utilizadas não levaram a soluções práticas.

Então, um dirigente eleito em um pleito confuso, repleto de regras idiotas, teve a ideia de emoldurar suas fronteiras, para impedir a chegada de idiotas vindos de fora de seus domínios. Foi assim que se construiu um muro. A metade do problema foi resolvido. Não foi possível eliminar a chaga por inteiro porque os que ergueram a muralha também eram completos idiotas: ficaram ilhados.

Por essa, ninguém esperava.

Mas não é simples conter o ímpeto dos idiotas. Mesmo com essa suntuosa medida de engenharia, só comparada às extintas pirâmides, alguns estrangeiros conseguiam adentrar à terra prometida. Optaram por invadir o espaço aéreo, onde ainda não havia barreiras. Ao desembarcar, eram cooptados à força por policiais, que questionavam a razão daquilo. A justificativa: fugir da idiotice. Acreditavam que, naquela ilha, estariam a salvos dos seus conterrâneos idiotas.

Quem propagou isso foi a Indústria do Sonho, que detinha alta tecnologia e suporte, interligando idiotas sem fronteiras. Com a epidemia avassaladora, a tal indústria se tornou uma das culpadas e teve de parar suas máquinas, para que essas ideias não mais fossem disseminadas. Os idiotas estão sempre preocupados com o bem-estar dos demais.

Acontece que a comunicação se tornou precária. Sem máquinas e sem tecnologia, a nova língua dos idiotas se resumia a "sim" e "não", somente. Esse fato gerou desconfortos diários. Pois quem afirmava sim diante de uma medida discordava de quem dizia o oposto. E não havia maneira de conciliar os idiotas, agora separados em dois grupos. O jeito mais fácil de resolver as coisas eram os embates físicos ou a desistência de uma das correntes.

Os serviços essenciais dos idiotas, como hospitais, escolas, plantações, segurança, ficavam paralisados por longos períodos, devido a esses conflitos. Os mais velhos, ou idiotas há mais tempo, até poderiam contribuir para uma solução, afinal, tinham um vocabulário amplo, considerado antigo, mas eram preguiçosos e temerosos.

Restou a Natureza. Ela resistia aos idiotas com caos e selvageria. Só assim que sabia responder aos acontecimentos. Contudo, como era de se esperar, os idiotas não compreenderam os sinais. E seguiram em marcha, destruindo os dias com a corriqueira idiotice do “sim” versus “não”.

O mundo era mesmo dos idiotas. Nem a Natureza tinha força para detê-los.

Sem ter pra onde ir, sem sombra pra descansar, um homem sem importância divagava sobre isso. Refletia sobre a peste em uma sorveteria. Tinha receio de que eles acabassem com tudo. Imaginou que, a qualquer momento, assistiria ao fim. Todavia, se isso acontecesse, seria idiota demais e a vida não teria sentido algum. Que bobagem! Ele era tão tolo quanto os demais. Riu da sua conclusão, enquanto o gelado do sorvete de morango percorria seu esôfago.

Fazia frio. E ele não entendia o motivo da sorveteria seguir funcionando naquele tenebroso inverno, que, na verdade, era verão. Tremenda idiotice!, pensou consigo mesmo.

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Texto originalmente publicado no site Mínimo Múltiplo - http://minimomultiplo.com/index.php?page=278

sábado, 26 de novembro de 2016

Vale-Refeição Não É Dinheiro


O letreiro diz Dominó Night Club. Uma casa de tolerância. Eles chegaram em um grupo de cinco amigos. Conversaram bastante. Riram um bocado. Beberam consideravelmente. E, como era de se esperar, se refestelaram também. Naquela noite, um deles teve um caso curioso.

Após o término do affair, esticou-se e pensou em descansar um pouco. A cama redonda era bem macia e havia um resto de tempo. A moça, um tanto pragmática e impaciente, lembrou dos valores acordados. “São 180 reais”. Estava se arrumando e queria, se possível, ver a cor do dinheiro o quanto antes. “Tá certo”, ele disse.

O problema é que não havia carteira alguma com ele. Procurou nos bolsos da calça. Revistou o quarto. Ligou para os amigos. Repensou o trajeto... Nada. Em sua posse só um bloco de vale-refeição, que recém havia recebido da firma. Jogou limpo com a garota.

- Vale não é dinheiro – ela retrucou.
- Eu sei. Mas dá pra trocar por comida no supermercado. Tu tem filho?
- Tenho um.
- Então, te dou um pouco a mais do que a gente tinha combinado e tu gasta no supermercado. Pode ser?

Ela fez um muxoxo e silenciou. Esperava uma ideia melhor. Porém, percebeu que não havia outra alternativa. Era pegar ou largar.

- E esse teu vale aceita no Big? – ela perguntou.
- Claro que sim!

E prontamente deu 200 reais em vale-refeição para ela.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A Hora e a Vez dos Clássicos: Estrela Solitária, Um Brasileiro Chamado Garrincha – Ruy Castro


Autor de Chega de Saudade, O Anjo Pornográfico, entre outros

ESTRELA SOLITÁRIA, UM BRASILEIRO CHAMADO GARRINCHA 
Ruy Castro

1953 Os Fluídos Vitais

Em março de 1950, o Bangu comprara Zizinho ao Flamengo por 600 mil cruzeiros, equivalente na época a 33 mil dólares. Hoje parece pouco, mas fora a maior transação do futebol brasileiro até então. E não era pouco. Com aquele dinheiro, comprava um apartamento de dois salões e cinco quartos no Rio, com varandas debruçadas sobre o oceano Atlântico.

Em junho de 1953, para ter Garrincha, o Botafogo pagou ao Serrano de Petrópolis, dono de seu passe, quinhentos cruzeiros, equivalente na época a 27 dólares. Foi a menor transação do futebol mundial em todos os tempos para um jogador da sua categoria. E não parecia pouco – era pouco. Com esse dinheiro, comprava-se, quando muito, uma bicicleta.

É verdade que, em 1953, o profissionalismo no futebol brasileiro tinha apenas vinte anos de oficializado e ainda esperava que os jogadores conservassem um espírito “amadorista”. Os símbolos do passado continuavam presentes nos jogadores que ainda jogavam de casquete e de rede no cabelo, mesmo que o vento não lhes desbastasse a gaforinha. E, no próprio, Botafogo, houvera até bem pouco tempo, antes um goleiro que pagava para jogar: o milionário Ermelindo Matarazzo. Era filho do conde Matarazzo e um dos mais ricos herdeiros brasileiros, mas, na condição de reserva, sonhava no dia em que substituiria Oswaldo Baliza, o goleiro titular.

Ermelindo era franco com Baliza:
“Meu sonho é ser você”.
E Baliza, ainda mais franco:
“Pois o meu era ser filho do seu pai”.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

De Passagem


Ele era o tipo de cara que não acreditava que as lâmpadas econômicas duravam mais que as amarelas. Ela ainda lia os jornais e via os outdoors com atenção. Parecia claro que eles não dariam certo. Mas tentariam mais uma vez, porque já tinham passado dos trinta e não havia o que fazer.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Uma Dose Considerável de Frustração, Fracasso e Esperança


A vida de quem se mete com Literatura é repleta de frustrações e fracassos. Todo mundo sabe disso - ou, pelo menos, deveria saber.

Ainda mais em um país como o nosso, que lê poucos livros (de papel ou digitais). Mas se queixar não resolve porra nenhuma.

Tem um grande Mercado lá fora. Com seus vícios e suas virtudes. Porém, também tem um povo íntegro que ama o que faz, que busca um espaço. Os tais "escritores independentes". E independência é o que move a Arte.

É a pessoa que se vira. Produz o que acredita, disponibiliza como pode e pra quem tem interesse. Pode ser numa bolha virtual, pode ser numa comunidade de iguais... Pouco importa.

Eu tô nessa. E fico satisfeito em ser lido. Em ir nos correios enviar exemplares. Em ver meu livro recente, Um Silêncio Avassalador, rodando por aí. Abrindo caminho, de mansinho. Com as próprias pernas.

Porque tem gente aberta. Tem gente que se interessa e não tá nem aí para grifes ou carimbos. Já são 14 resenhas em jornais, sites e blogs Brasil afora. Nada mal.

Como essa, do Lendo 1 Bom Livro. "Com uma leitura de um dia, prazerosa e intensa esse livro de Lucas Barroso me conquistou e entrou para minha lista de favoritos desse ano".

Tem outros tantos autores nessa. Procure e vocês vão se surpreender.

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Link da resenha citada - http://www.lendo1bomlivro.com.br/2016/10/resenha-um-silencio-avassalador.html?m=1

Se alguém tem interesse na leitura, não se acanhe. Me contate por email, facebook ou acesse o site da Moinhos Editora (http://editoramoinhos.com.br).