domingo, 18 de dezembro de 2016

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Grandes Livros Com Capas Feias - O Longo Adeus



Um dos melhores romances do Chandler. Virou filme cult nos anos 70. A capa entrega um pouco, afinal, tem uma mulher fatal no caminho do detetive Philip Marlowe.

Mas quando não tem?

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Lição Pra Toda Vida


"Apenas se contente em não foder quem não quer ser fodido".

BARROSO, Lucas (dezembro de 2016).

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Cena na Biblioteca Municipal


Hoje, fui na biblioteca municipal
E vi um mendigo
Sentado
Curvado
Cabeça repousava na carteira
Babava um pouco no canto da boca
E usava um livro como travesseiro

Porque os livros são feitos
Pra sonhar

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Os Idiotas


Há idiotas até em Águas Internacionais. Piratas lutam contra eles, diariamente. Em terra firme existe um sem-número. Eles têm bandeiras e cânticos. O mundo está infestado. Segundo consta, é a maior epidemia de idiotice de que se tem registro. Anos depois de Cristo, claro. Antes, nenhum idiota foi capaz de contabilizá-los.

Diante desse devastador cenário, os homens das Ciências Humanas, com suas bibliotecas abarrotadas, só serviram para apontar o problema. "Há muitos idiotas no mundo", concluíram, após longos estudos quantitativos e qualitativos. Porém, as metodologias utilizadas não levaram a soluções práticas.

Então, um dirigente eleito em um pleito confuso, repleto de regras idiotas, teve a ideia de emoldurar suas fronteiras, para impedir a chegada de idiotas vindos de fora de seus domínios. Foi assim que se construiu um muro. A metade do problema foi resolvido. Não foi possível eliminar a chaga por inteiro porque os que ergueram a muralha também eram completos idiotas: ficaram ilhados.

Por essa, ninguém esperava.

Mas não é simples conter o ímpeto dos idiotas. Mesmo com essa suntuosa medida de engenharia, só comparada às extintas pirâmides, alguns estrangeiros conseguiam adentrar à terra prometida. Optaram por invadir o espaço aéreo, onde ainda não havia barreiras. Ao desembarcar, eram cooptados à força por policiais, que questionavam a razão daquilo. A justificativa: fugir da idiotice. Acreditavam que, naquela ilha, estariam a salvos dos seus conterrâneos idiotas.

Quem propagou isso foi a Indústria do Sonho, que detinha alta tecnologia e suporte, interligando idiotas sem fronteiras. Com a epidemia avassaladora, a tal indústria se tornou uma das culpadas e teve de parar suas máquinas, para que essas ideias não mais fossem disseminadas. Os idiotas estão sempre preocupados com o bem-estar dos demais.

Acontece que a comunicação se tornou precária. Sem máquinas e sem tecnologia, a nova língua dos idiotas se resumia a "sim" e "não", somente. Esse fato gerou desconfortos diários. Pois quem afirmava sim diante de uma medida discordava de quem dizia o oposto. E não havia maneira de conciliar os idiotas, agora separados em dois grupos. O jeito mais fácil de resolver as coisas eram os embates físicos ou a desistência de uma das correntes.

Os serviços essenciais dos idiotas, como hospitais, escolas, plantações, segurança, ficavam paralisados por longos períodos, devido a esses conflitos. Os mais velhos, ou idiotas há mais tempo, até poderiam contribuir para uma solução, afinal, tinham um vocabulário amplo, considerado antigo, mas eram preguiçosos e temerosos.

Restou a Natureza. Ela resistia aos idiotas com caos e selvageria. Só assim que sabia responder aos acontecimentos. Contudo, como era de se esperar, os idiotas não compreenderam os sinais. E seguiram em marcha, destruindo os dias com a corriqueira idiotice do “sim” versus “não”.

O mundo era mesmo dos idiotas. Nem a Natureza tinha força para detê-los.

Sem ter pra onde ir, sem sombra pra descansar, um homem sem importância divagava sobre isso. Refletia sobre a peste em uma sorveteria. Tinha receio de que eles acabassem com tudo. Imaginou que, a qualquer momento, assistiria ao fim. Todavia, se isso acontecesse, seria idiota demais e a vida não teria sentido algum. Que bobagem! Ele era tão tolo quanto os demais. Riu da sua conclusão, enquanto o gelado do sorvete de morango percorria seu esôfago.

Fazia frio. E ele não entendia o motivo da sorveteria seguir funcionando naquele tenebroso inverno, que, na verdade, era verão. Tremenda idiotice!, pensou consigo mesmo.

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Texto originalmente publicado no site Mínimo Múltiplo - http://minimomultiplo.com/index.php?page=278

sábado, 26 de novembro de 2016

Vale-Refeição Não É Dinheiro


O letreiro diz Dominó Night Club. Uma casa de tolerância. Eles chegaram em um grupo de cinco amigos. Conversaram bastante. Riram um bocado. Beberam consideravelmente. E, como era de se esperar, se refestelaram também. Naquela noite, um deles teve um caso curioso.

Após o término do affair, esticou-se e pensou em descansar um pouco. A cama redonda era bem macia e havia um resto de tempo. A moça, um tanto pragmática e impaciente, lembrou dos valores acordados. “São 180 reais”. Estava se arrumando e queria, se possível, ver a cor do dinheiro o quanto antes. “Tá certo”, ele disse.

O problema é que não havia carteira alguma com ele. Procurou nos bolsos da calça. Revistou o quarto. Ligou para os amigos. Repensou o trajeto... Nada. Em sua posse só um bloco de vale-refeição, que recém havia recebido da firma. Jogou limpo com a garota.

- Vale não é dinheiro – ela retrucou.
- Eu sei. Mas dá pra trocar por comida no supermercado. Tu tem filho?
- Tenho um.
- Então, te dou um pouco a mais do que a gente tinha combinado e tu gasta no supermercado. Pode ser?

Ela fez um muxoxo e silenciou. Esperava uma ideia melhor. Porém, percebeu que não havia outra alternativa. Era pegar ou largar.

- E esse teu vale aceita no Big? – ela perguntou.
- Claro que sim!

E prontamente deu 200 reais em vale-refeição para ela.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A Hora e a Vez dos Clássicos: Estrela Solitária, Um Brasileiro Chamado Garrincha – Ruy Castro


Autor de Chega de Saudade, O Anjo Pornográfico, entre outros

ESTRELA SOLITÁRIA, UM BRASILEIRO CHAMADO GARRINCHA 
Ruy Castro

1953 Os Fluídos Vitais

Em março de 1950, o Bangu comprara Zizinho ao Flamengo por 600 mil cruzeiros, equivalente na época a 33 mil dólares. Hoje parece pouco, mas fora a maior transação do futebol brasileiro até então. E não era pouco. Com aquele dinheiro, comprava um apartamento de dois salões e cinco quartos no Rio, com varandas debruçadas sobre o oceano Atlântico.

Em junho de 1953, para ter Garrincha, o Botafogo pagou ao Serrano de Petrópolis, dono de seu passe, quinhentos cruzeiros, equivalente na época a 27 dólares. Foi a menor transação do futebol mundial em todos os tempos para um jogador da sua categoria. E não parecia pouco – era pouco. Com esse dinheiro, comprava-se, quando muito, uma bicicleta.

É verdade que, em 1953, o profissionalismo no futebol brasileiro tinha apenas vinte anos de oficializado e ainda esperava que os jogadores conservassem um espírito “amadorista”. Os símbolos do passado continuavam presentes nos jogadores que ainda jogavam de casquete e de rede no cabelo, mesmo que o vento não lhes desbastasse a gaforinha. E, no próprio, Botafogo, houvera até bem pouco tempo, antes um goleiro que pagava para jogar: o milionário Ermelindo Matarazzo. Era filho do conde Matarazzo e um dos mais ricos herdeiros brasileiros, mas, na condição de reserva, sonhava no dia em que substituiria Oswaldo Baliza, o goleiro titular.

Ermelindo era franco com Baliza:
“Meu sonho é ser você”.
E Baliza, ainda mais franco:
“Pois o meu era ser filho do seu pai”.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

De Passagem


Ele era o tipo de cara que não acreditava que as lâmpadas econômicas duravam mais que as amarelas. Ela ainda lia os jornais e via os outdoors com atenção. Parecia claro que eles não dariam certo. Mas tentariam mais uma vez, porque já tinham passado dos trinta e não havia o que fazer.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Uma Dose Considerável de Frustração, Fracasso e Esperança


A vida de quem se mete com Literatura é repleta de frustrações e fracassos. Todo mundo sabe disso - ou, pelo menos, deveria saber.

Ainda mais em um país como o nosso, que lê poucos livros (de papel ou digitais). Mas se queixar não resolve porra nenhuma.

Tem um grande Mercado lá fora. Com seus vícios e suas virtudes. Porém, também tem um povo íntegro que ama o que faz, que busca um espaço. Os tais "escritores independentes". E independência é o que move a Arte.

É a pessoa que se vira. Produz o que acredita, disponibiliza como pode e pra quem tem interesse. Pode ser numa bolha virtual, pode ser numa comunidade de iguais... Pouco importa.

Eu tô nessa. E fico satisfeito em ser lido. Em ir nos correios enviar exemplares. Em ver meu livro recente, Um Silêncio Avassalador, rodando por aí. Abrindo caminho, de mansinho. Com as próprias pernas.

Porque tem gente aberta. Tem gente que se interessa e não tá nem aí para grifes ou carimbos. Já são 14 resenhas em jornais, sites e blogs Brasil afora. Nada mal.

Como essa, do Lendo 1 Bom Livro. "Com uma leitura de um dia, prazerosa e intensa esse livro de Lucas Barroso me conquistou e entrou para minha lista de favoritos desse ano".

Tem outros tantos autores nessa. Procure e vocês vão se surpreender.

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Link da resenha citada - http://www.lendo1bomlivro.com.br/2016/10/resenha-um-silencio-avassalador.html?m=1

Se alguém tem interesse na leitura, não se acanhe. Me contate por email, facebook ou acesse o site da Moinhos Editora (http://editoramoinhos.com.br).

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Um Silêncio Avassalador no Jornal O Povo


Um Silêncio Avassalador ganhou destaque do dia 19 de outubro, no jornal O Povo, de Fortaleza. Foi na coluna Estante, do jornalista Jáder Santana.

Os contos do escritor gaúcho Lucas Barroso mostram a vida como um processo de espera, como um elemento subjugado por convenções sociais e expectativas não realizadas. São histórias de sexo e violência - simbólica ou não - que põem em cheque nossa humanidade.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Amigo Virtual


Dois velhos no restaurante.

- Ele é teu amigo no Facebook?
- Não. No outro...
- WhatsApp?
- Não. No outro aquele...
- Que outro?!
- Agenda do telefone.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Um Silêncio Avassalador no Diário de Pernambuco



Depois do romance Virose (2014), o escritor gaúcho lança agora um conjunto de contos que tem a solidão como tema quase onipresente. Alternando personagens de diferentes meios, idades, homens ou mulheres, o autor escreve com agilidade e consegue extrair deles sempre algum deslocamento e uma certa dificuldade de viver em sociedade. Pequenas falhas vão se revelando maiores enquanto buscam por algo que as preencha e as afaste do vazio de suas existências: cigarro, álcool, drogas e sexo são todos elementos de apoio, muletas do dia a dia para lidar com a dor. Barroso crê que a estratégia é ilusória e que pode tornar o tombo ainda maior.


Moinhos, 96 páginas, R$ 32,00 

Link de origem do texto - http://www.impresso.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/cadernos/viver/2016/10/05/interna_viver,155240/reencontro-com-os-sonhos.shtml

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Resenha Um Silêncio Avassalador - Toc Literário


O site Toc Literário resenhou meu livro mais recente.

"Esse silêncio avassalador, decorrente da solidão, angústia, ou vazio pelos quais passam os personagens, moldam suas ações e seu modo de ser, gerando um misto de estranhamento e empatia pela condição humana, nos contextos inesperados (mas potencialmente reais) nos quais se passam os contos".

No link, o texto completo. https://medium.com/@tocliterario/resenha-5-um-sil%C3%AAncio-avassalador-lucas-barroso-5d8abef23d5e#.i8spfihzr

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Crítica Um Silêncio Avassalador - Site Ponto Para Ler


O site Ponto Para Ler, capitaneado pelo Paulo Souza, publicou uma crítica do meu livro mais recente, Um Silêncio Avassalador.

"(...) posso assegurar que foi uma das melhores leituras que fiz este ano e, dentro do universo de livros de contos, o melhor que li no ano".

No link, o texto completo.

http://www.pontoparaler.com.br/critica-de-livro-um-silencio-avassalador/

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A Lição Que O Gato Me Deu


Não é preciso livros de auto-ajuda pra entender. É só olhar a volta.

No meu caso, foi assim. O gato vira-lata lá de casa está com 17 anos e meio. Hoje de manhã, o bichano lutou um bocado pra viver. Trançou as patas. Se mijou. Bateu de cara nos móveis. Andou sem saber onde ia. Tentou pular na cama. Urrou de dor.

Ele quer viver. Talvez, não tenha mais condições. O veterinário não sabe o que será. Mas ele quer viver. Ficar no seu lugar. Com seus humanos.

Não é uma grande coisa a se desejar. Porém, isso não está em questão. O que fica é a força que ele faz pra continuar. E sem compreender o motivo. Porque é provável que não pense nisso.

Essa foi a lição que o gato velho me deu hoje.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Revendedor Autorizado


- Que tem nessa sacola, Lucas?
- Meus livros. 
- Teus livros?!
- Sim, saio por aí vendendo meus livros.
- Hum... Achei que tu vendia Avon. 
- Quer um livro?
- Não, obrigado. Queria um creme da Avon.

sábado, 27 de agosto de 2016

A Vida Num Cruzamento Urbano e Uma Cena Engraçada em Londres


Abriu o sinal e o carro não arrancou, porque o motorista estava mexendo no celular. O condutor atrás dele não percebeu isso, porque também estava no celular. Assim foi com o motorista do ônibus e os 43 passageiros da linha. Com os pedestres nas calçadas, a mesma coisa.

Eu gostaria que vocês vissem. Há dias, eles seguem assim.

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Teve uma cena engraçada em Londres.

Estávamos no metrô. Duas brasileiras conversavam. Certo que não havia lusófonos a sua volta, uma delas desencadeou uma série de relatos sexuais. Uma crônica picante de sua rotina amorosa. Descrevia seu amante em detalhes. O homem me pareceu um reprodutor nato. E que homem! "Você tinha que ver as mãos dele me pegando", ela disse. Contava o quanto era feliz com ele. E o quanto não era com seu marido.

Quando se aproximava da minha estação de desembarque empostei a voz à minha mulher.

- Na próxima, é a nossa parada.

Elas gelaram. Naqueles breves minutos, entre as estações, não se ouviu mais nada em português no vagão.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Um Silêncio Avassalador - À Venda


Um Silêncio Avassalador, meu novo livro de contos, já está à venda no site da Editora Moinhos. Só R$ 30. Qualquer dúvida, me contatem (Facebook ou email).


SOBRE O LIVRO

Os contos de Lucas Barroso mimetizam os sons de um universo assustadoramente semelhante ao nosso, que pulsa ininterrupto do lado de fora destas páginas, e onde a felicidade não passa de uma farsa, uma autoinvenção, que nos assombra justamente por sabermos de sua impossibilidade.

Nascer, crescer, morrer, degenerar. A vida como um processo de espera onde pessoas são meras engrenagens em que executam funções nessa dantesca linha de montagem que é a existência, pedaços de “carne argilosa, incrustada de ossos, fiações, buscando algo que nos faça ignorar os sentidos que criamos”. Lacunas ruindo, subjugadas por pressões com as quais não sabem lidar. Convenções sociais cruéis, o doloroso jogo das expectativas impostas subjetivamente, da idealização versus realidade.

Diante da impotência perante a vida, os vícios, seja o sexo, o álcool, a cocaína ou mesmo o que convencionamos chamar de amor, são apenas formas de silenciar a solidão, de abafar esse som ensurdecedor que o nada produz. Por isso, os personagens de Um silêncio avassalador, que somos nós, carregam sempre um vazio que buscam preencher desesperadamente, um vazio que reverbera esse silêncio avassalador em nosso íntimo, mas que nunca somos capazes de externar, pois há sempre um nó na garganta no meio do caminho.

Trecho da orelha escrita por André Timm

Mais informações no site - http://editoramoinhos.com.br/loja/um-silencio-avassalador/

sábado, 20 de agosto de 2016

Eu Falei que Vivo de Literatura


Eu falei que vivo de Literatura.

Ele retrucou, dizendo que sou jornalista, que meu salário é que paga minha casa, me dá comida e bota gasolina em meu carro.

Eu falei, de novo, que vivo de Literatura.

Ele retrucou, outra vez, dizendo que eu bato ponto e que tenho compromisso de 40 horas semanais. Pediu, com graça, que se eu tivesse dúvida, olhasse minha carteira de trabalho e confirmasse o que ele dizia.

Eu insisti que vivo de Literatura.

Ele fincou pé, dizendo que ninguém sabe quem eu sou. Não há retratos meus em jornais. Também não há nada que comprove minha existência em livrarias.

Eu falei o que ele já sabia. E acrescentei: suas dúvidas bestas sobre minha pessoa serviriam de Literatura.

Porque eu vivo, sim.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A Mulher Tinha Ido Embora Há Três Semanas


Não vi conhaque de alcatrão no bar. Mesmo assim, questionei o atendente. Ele foi direto.
- Teu compromisso é com a escrita.

Na rua, dois policiais me abordaram e mandaram encostar na parede. Um deles me revistou, depois pediu meus documentos e disse.
- Teu compromisso é com a escrita.

Na outra quadra, um ladrão calçou seu trinta e oito em minha costelas. Pegou minha carteira, meu relógio – herança de meu avô – e complementou.
- Teu compromisso é com a escrita.

Da sacada de seu apartamento, uma senhora viu o assalto e berrou – todos abriram suas janelas e ligaram as luzes.
- Teu compromisso é com a escrita.

Sem dinheiro, pedi ao motorista do ônibus se poderia me dar uma carona. Ele fez sinal de positivo, falou da violência da cidade e acrescentou.
- Teu compromisso é com a escrita.

Em casa, não tinha bebida alguma. Também não havia ração para os gatos, que miavam sem cessar. A mulher tinha ido embora há três semanas. E a vizinha deixou um bilhete embaixo da porta.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Tudo Que Passa na Cabeça Antes de Uma Noite de Amor - Conto


A Editora Moinhos acabou de disponibilizar um dos contos de Um Silêncio Avassalador (já em pré-venda no site). Relendo-o, recordei uma pergunta que respondi há tempo, em um curso na Unisinos.

"Se tu tivesse só uma opção, tu priorizaria o estilo da escrita ou a história?".

Esse conto (link abaixo) responde o que penso: a história é mais importante. Lógico, não há regras, nem fórmulas para se atrelar. A Literatura aceita tudo.

E a minha tá sendo essa busca por contar histórias.


Tudo que passa na cabeça antes de uma noite de amor - http://editoramoinhos.com.br/wp-content/uploads/2016/08/Conto-de-divulga%C3%A7%C3%A3o-Um-sil%C3%AAncio-avassalador-Lucas-Barroso.pdf

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Nossa Única Resposta



"O acontecimento ainda está à margem da cultura. E a nossa única resposta é o silêncio. Fechamos os olhos como crianças pequenas e acreditamos que assim nos escondemos, que o horror não nos alcançará. Há alguma coisa que assoma do futuro, mas é algo que não sintoniza com os nossos sentimentos. Nem com a nossa capacidade de sentir".

Svetlana Aleksiévitch, no livro Vozes de Tchernóbil

Um Silêncio Avassalador - Trechos


Trechos selecionados de contos do meu terceiro livro, Um Silêncio Avassalador, pela Editora Moinhos (http://editoramoinhos.com.br/). 




quinta-feira, 21 de julho de 2016

Projeto Tu Conhece?


Pessoal da Universidade Feevale tá mapeando alguns artistas independentes do RS. Tem Literatura, Música, Cinema, Quadrinhos... Vai rolar um documentário. Coisa fina!

Fiquei contente ao ser encontrado e participar do Tu Conhece? https://www.catarse.me/pt/tuconhece

Quem der uma força ao projeto recebe livro exclusivo, o próprio documentários e outras coisas bacanas.

Uma prévia do meu depoimento.


domingo, 17 de julho de 2016

20h30, Hospital Conceição


É tudo muito triste.

20h30. Hospital Conceição, Zona Norte de Porto Alegre. Hora da visita. Pacientes empilhados em um corredor. Eram quantos? 20? Ninguém sabe ao certo. Internados em bancos, cadeiras de rodas, macas. Uma senhora pequena ocupa três assentos, está deitada de lado. Veste a roupa azul do hospital. Sofre calada. Caminhar é difícil. A passagem é bloqueada constantemente por um corpo enfermo. É necessário desviar com cuidado para não derrubar o soro de alguém. Familiares de cócoras, outros em pé. Falam sem parar. 30 minutos é pouco para colocar a conversa em dia. Para animar. Para esquecer a dor. Para falar com o médico. Para explicar o problema.

Na ala amarela, um paciente em coma e desacreditado repousa ao lado de outro consciente e que tem o quadro estável. A CTI está lotada. A UTI também está. Lá fora, faz 5 graus. Venta muito. Mais doentes estão chegando e não há vaga no corredor. Enfermeiros e médicos exaustos. Caminham enlouquecidamente. Tem o mesmo semblante dos doentes. Na recepção, é possível ouvir os vigias repetindo a mesma ladainha. "Só um parente por vez". Então, familiares e amigos se revezam. Contam o tempo. É só o que interessa: tempo.

Surge uma senhora, trazida pelo filho. Treme muito. Urra. Tem espasmos. "Ela tem pressão alta!". Abre-se espaço onde não existe e aparecem os enfermeiros.

Acaba o período de visita. Há uma debandada. O silêncio de quem sofre toma a avenida Francisco Trein, em frente ao hospital. Um homem o interrompe. "Ninguém quer morrer assim", diz. "Se a gente pudesse escolher...", responde uma senhora.

É tudo muito triste.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Muito Além do Futebol: Complexo de Vira-Latas

Muito além do futebol. O Complexo de Vira-Latas - termo cunhado em uma crônica de Nelson Rodrigues - é cíclico no brasileiro. Ele está conosco desde o primeiro choro. Esse sentimento de inferioridade, em relação ao estrangeiro, reside em nosso âmago. A alma do "homem cordial" traz essa dor, essa angústia latente. Entre a casa grande e a senzala, o brasileiro é alguém embasbacado com o outro, com o de fora.

Abaixo, a crônica na íntegra.


Complexo de Vira-Latas
Nelson Rodrigues

Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: “O Brasil não vai nem se classificar!”. E, aqui, eu pergunto:

— Não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?

Eis a verdade, amigos: — desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse “arrancou” como poderia dizer: “extraiu” de nós o título como se fosse um dente.

E hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvida: — é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: — o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: — se o Brasil vence na Suécia, se volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.

Mas vejamos: — o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, “não”. Mas eis a verdade:

— eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: — sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto joga dores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado do Flamengo. Pois bem: — não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.

A pura, a santa verdade é a seguinte: — qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma:

— temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “com plexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: — “O que vem a ser isso?” Eu explico.

Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Por que, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.

Eu vos digo: — o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.

O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota.

Insisto: — para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão.

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O texto foi publicado originalmente na revista Manchete Esportiva, em 1958, após o título mundial daquele ano.

Esse vídeo (link ao lado), amplia o tema - https://www.youtube.com/watch?v=2_WD7dqGbzk 

terça-feira, 7 de junho de 2016

O Sol da Velhice


Aos poucos, as lembranças ruins sumiram. Restou o lado bom do que foi vivido. Sabia a cor e o cheiro do passado. Muitas vezes, não conseguia descrever. Porém, o sentimento era nítido. O tempo se encarregou de tornar seus dias saudosos.

Não tinha mais raiva do pai sisudo em demasia. O ciúme da irmã que desapareceu. O mais recente esquecimento foi sua esposa. Passara bons momentos com ela. E isso bastava. Sua precipitação e consequente fuga de casa, com os filhos à tiracolo, eram uma névoa que tinha se dissipado com o Sol da velhice.

Ele não vivia mais a perigo. Tampouco tinha demônios para domar. A única questão era: o que ele faria com esse tratado de paz que acabou de assinar com a vida?

sexta-feira, 3 de junho de 2016

"O Artista Paga Alto Preço Por Levar Uma Vida Não Convencional"


Por Vitor Ramil

A história é mais ou menos assim: Mark Twain, o escritor norte-americano, estava sentado na varanda de sua casa quando passou um vizinho e perguntou "Descansando, vizinho?", ao que ele respondeu, "Não, trabalhando". Outro dia o mesmo vizinho o viu cortando a grama do jardim e perguntou "Trabalhando, vizinho?", e Twain respondeu, "Não, descansando".

Lembrei dessa historinha para exemplificar a ideia de que o trabalho e o descanso do artista não se parecem com os das demais profissões. Para o senso comum, "artista" nem mesmo parece ser profissão. Para que serve o artista afinal? O sistema não tem, a priori, um lugar para ele. O pintor francês Paul Gauguin trocou uma profissão "de respeito" e rentável para se tornar um pintor destinado a viver e morrer na pobreza e sem reconhecimento. Que julgamento esperar dos contemporâneos de Gauguin senão o de que ele havia enlouquecido, que era um misantropo, um inadaptado?

A sociedade está sempre pronta para receber os engenheiros, os médicos ou os advogados, nunca os artistas. Se um médico pendurar seu diploma em uma parede, entrar e sair rotineiramente pela porta de um consultório em que estiver afixada uma placa com seu nome e especialidade, ninguém dirá que ele não é um médico, seja ele bom ou mau profissional. Para o artista, um diploma e uma porta com seu nome nunca serão o suficiente. Seu reconhecimento dependerá sempre de critérios subjetivos. O que ele faz é artístico? O que é arte afinal? O próprio artista pode passar a vida fazendo-se essas perguntas. O dilema começa cedo. Ninguém pode dizer a uma criança ou a um adolescente se ele é ou será um artista. O artista só ouve a própria voz. Nos tornamos aquilo que somos, disse outro escritor. Mas que difícil é escutar a própria voz, dizer para si mesmo: sou um artista, serei um artista.

Em minha casa, estimulamos muito nossos filhos a seguirem o caminho da arte caso se sentissem vocacionados para tal. Para a nossa alegria e a deles, Ian e Isabel são hoje artistas que muito nos orgulham. Mas sei que na maioria das famílias os pais tremem diante do projeto ou da decisão dos filhos adolescentes de quererem seguir esse caminho. O medo dos pais talvez se origine da percepção de que os jovens não têm experiência de vida suficiente para medir os riscos de uma escolha profissional equivocada ou de difícil trajetória – sem falar que, para muitos, escolher a arte significa simplesmente abrir mão de ter uma profissão "de verdade".

A difícil trajetória para um artista pode ser consequência do valor intrínseco do que ele produz, mas pode também, e talvez principalmente, resultar da dificuldade de inserção num sistema em que a arte é menos necessária que supérflua – daí a importância, para todas as sociedades, da existência de instituições culturais sólidas, aquelas que ambicionam dar à arte seu devido e digno lugar no sistema. Mesmo atuando num contexto adverso, o artista pode ser tido em alta estima. Mas é mais comum que enfrente preconceitos de toda ordem. É moeda corrente que seja taxado como vagabundo, boêmio, preguiçoso e/ou desregrado, por exemplo.

Particularmente considero da maior importância a vagabundagem, a boemia, a preguiça e o desregramento para o fazer artístico. Mas sei que um só desses adjetivos poderia destruir a reputação dos profissionais "respeitáveis" das profissões, digamos, convencionais. O artista paga alto preço por levar uma vida não convencional. Além disso, como para as pessoas em geral a arte está ligada aos momentos de entretenimento, prazer ou mesmo de descanso – aos momentos em que saem da "rotina" –, impõe-se a ideia de que o artista vive só nesses, por esses e desses momentos de lazer, que sua vida é uma festa permanente. Pouco se sabe do fazer artístico, do quão difícil e complexo ele pode ser, de quanta transpiração existe para cada inspiração. Quem não conhece a fábula da cigarra e da formiga?

Por mais que pensemos em culturas diferentes, em países em que a arte seja mais ou menos valorizada, nos EUA de Twain, na França de Gauguin, no Brasil de Noel Rosa – aquele boêmio incorrigível que, tendo vivido apenas 26 anos, criou uma obra genial com potência suficiente para moldar nossa identidade nacional –, não acredito que o papel do artista na sociedade mude muito de um lugar para o outro. No caso do Brasil atual, a dita demonização dos artistas me parece pontual, diz respeito à política. As pessoas estão demonizando umas às outras de um modo que acena com a barbárie, com a falência de um projeto democrático para o país. Por que os artistas seriam poupados dessa insanidade se, em sua maioria, eles se situam no espectro político mais à esquerda, justamente o que agora está sendo julgado?

Mas estou seguro de que aqueles que hoje insultam um Chico Buarque ou um obscuro grupo de teatro de vanguarda sabem, no fundo, que o trabalho desses artistas é da maior importância; sabem que, produzindo cada um a seu modo e com liberdade, eles são fundamentais para a nossa constituição como nação. Uso a expressão "no fundo" de propósito. Talvez o foco agora devesse estar no fundo, talvez precisássemos ir fundo nisso tudo. Que tal irmos e sairmos de lá compartilhando a mais legítima alegria cidadã?

Artigo publicado originalmente em Zero Hora.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Novo Livro - O Ano dos Mortos


Pessoal,

Saiu meu segundo livro, O Ano Dos Mortos (poesia), editora Bartlebee. A capa e a edição, por Daniel Valentim, estão no capricho. Deu trabalho e gostei do resultado.

Espero que vocês curtam também. Logo, logo estará à venda no site da editora. Mas é possível adquirir comigo. R$25 pessoalmente e R$30 via Correios (para todo o Brasil).

Outras informações por email lsbarroso84@gmail.com ou via Facebook https://www.facebook.com/lucasbarroso84

Apresentação

"Então, será esse o Ano dos Mortos? O que será esse Ano dos Mortos? Um atropelo lírico nos amontoados modorrentos dos dias comuns. Lucas Barroso escreve como se as “belas e sujas” coisas, finalmente encontrassem seu destino, surgindo no seu papel em branco. Uma antevisão através das perdas, das palavras-bombas, explodindo em cada verso.

Nesse Ano, o desses Mortos, ganhar ou perder não tem importância, o que realmente importa é seguir a trilha traçada no meio dessa cidade, imensa de silêncios, como um rasgo na “face ruborizada” de quem se atreve a seguir os passos do autor.

Em tempos de buscas e procuras desenfreadas e desesperadas para breves e poucas respostas, parar e ler Lucas Barroso é um exercício de ressignificação, de treinar o olhar para o que realmente importa, o que realmente anda pulsando, inquietante, assombroso grito silencioso desse Ano dos Mortos".


Adalberto Souza é escritor e psicólogo. Autor dos livros de poesia "Contando Solidões", "Das Coisas Que Esquecemos Pelo Caminho" (Prêmio Lego Ufal/2011), "Fantasmas Não Andam de Montanha Russa" e "Toda Aquela Inevitável Pressa De Te Dizer Nada".





quinta-feira, 19 de maio de 2016

Vagabundos Iluminados


Esse papo que artista é tudo vagabundo não deve ser em tom de ofensa ou má fé. Não pode ser. Estou entendendo tudo errado.

Deve ser porque artista não bate ponto e não tem carteira assinada. Deve ser porque artista é um ser livre. Só pode.

Pois quando solidão aperta ou quando as portas se abrem ou quando os caminhos estão turvos, são esses vagabundos que estendem a mão. São esses vagabundos que iluminam tudo.

Feliz do povo que cultiva essa gente. Feliz do povo que valoriza esse bando de vagabundos.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Livro Novo No Forno - Um Silêncio Avassalador


Então, é o seguinte:

Meu livro de contos, Um Silêncio Avassalador, vai ser publicado pela Editora Moinhos, que é coordenada pela Camila Araujo e Nathan Matos. Dupla que entende do riscado e também é responsável pelo reconhecido site Literatura BR.

Agora, estamos naquela fase de edição, criação de capa e tudo mais. Quando tiver mais informações, aviso a todos.

Site da editora - http://editoramoinhos.com.br/

terça-feira, 3 de maio de 2016

O Pouco Que Satisfaz


Não tem solução. Alguns, só leem manchetes. Uma frase basta. Que trabalho árduo informar hoje em dia!

E a culpa é nossa. Nossa mesmo, sem hipocrisia (sou um dos culpados, sim!). Nós que vamos empacotando tudo. Resumindo. Triturando pra caber em cápsulas para serem digeridas em jejum.

Não é só o jornalismo. São os poemas no Twitter. São os filmes de 10 segundos no Snapchat. São os resumos dos livros baixados para passar de ano.

Essa pressa em ter mais. Em ler mais e pior. É a sina de nosso tempo. E nos faz um mal danado.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

O Coração É Um Caçador Solitário - Trecho


Trecho do livro O Coração É Um Caçador Solitário, da escritora norte-americana Carson McCullers (1917-1967).

(...)

Já era tarde quando ele deixou o terreno baldio. O céu duro e azul empalidecera e no leste via-se uma lua branca. O crepúsculo suavizava as silhuetas das casas ao longo da rua. Jake não voltou logo pela Weavers Lane, mas vagueou pelas vizinhanças próximas. Certos cheiros, certas vozes ouvidas à distância faziam-no parar de chofre de vez em quando à beira da rua poeirenta. Andava sem destino, mudando de direção sem qualquer sentido. Sentia a cabeça muito leve, como se fosse de vidro fino. Operava-se nele uma mudança química. As cervejas e uísques que armazenara tão continuadamente sem seu sistema provocavam uma reação. Era atingido de raspão pela embriaguez. As ruas, que haviam parecido tão mortas antes, fervilhavam de vida. Uma faixa de grama irregular bordejava a rua, e enquanto ele andava o chão parecia subir-lhe em direção ao rosto. Sentou-se na grama e encostou-se num poste telefônico. Ajeitou-se confortavelmente, cruzando as pernas à moda turca e alisando as pontas do bigode. As palavras ocorriam-lhe e ele dizia sonhadoramente em voz alta.

- O ressentimento é a flor mais preciosa da pobreza.

Era bom falar. O som de sua voz dava-lhe prazer. Os tons pareciam ecoar e pairar no ar, de modo que cada palavra soava duas vezes. Ele engoliu em seco e umedeceu a boca para tornar a falar. De repente, sentiu vontade de voltar ao silencioso quarto do mudo e falar-lhe dos pensamentos que lhe cruzavam a mente. Era uma coisa esquisita querer falar com um surdo-mudo. Mas sentia-se solitário.

(...)

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Nomes do Brasil


Muito interessante essa de pesquisar os nomes pelo Censo do IBGE. Chama atenção é que 30 pessoas foram registradas como Rex. Destes, 29 homens e uma mulher.

Outras curiosidades aleatórias

No Brasil, 1.138 tem nome de Brasil, 32 Brazil e 1.390 são Brasília. Também temos 340 que se chamam Branco, 342 Nego (Negro não tem) e 379 Índio. Ninguém é Pardo.

Da Natureza, existem 531 Leão, 86 Coelho e 117 Anta. Do Império, 81 Princesa, 77 Rainha e 137 Rei. Mas sem Príncipe. Dos plebeus, ainda há 40 Fulano e 24 Beltrano andando por aí. Nenhum Sicrano. Falando em andar, não tem Chinelo nem Sapato. Mas 34 brasileiros tem o nome Tênis.

Por fim, 234 são Deus, 35.774 Jesus e não há Diabo, Demônio ou Capeta no Brasil.

Neste Link, é possível pesquisar os nomes. - http://www.censo2010.ibge.gov.br/nomes/#/search/response/5

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Coletânea de Contos Ganha Destaque no Jornal Zero Hora


Sou citado no Segundo Caderno do jornal Zero Hora de hoje. Participo da coletânea Antologia Clint Eastwood, com o conto Vento Mistral.

Já falei sobre isso por aqui. É uma boa dica de leitura - https://antologiaclint.wordpress.com/.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Vento Mistral - Conto Inédito


Tá o ar a Antologia Clint Eastwood. A ideia foi construir uma história, um conto, tendo o ator como mote. Diversos escritores bacanas abraçaram o desafio.

Quem teve a ideia, organizou e mobilizou essa gente toda (de muitas cidades do Brasil) foi o grande Diego Moraes.

Eu tô dentro com o conto Vento Mistral.

Ele era do tempo que velhos jogavam dominó e dama nas praças. Do tempo que velhos ficavam sentados em frente a suas casas, contando o número de pessoas conhecidas que circulavam – e tentando memorizar o nome de todas. Também haviam os velhotes que consertavam coisas – com suas ferramentas gastas –, escondidos o dia inteiro em garagens ou porões abafados. Esses, que eram todos os que ele conhecia, só recebiam o mínimo de atenção em confraternizações aos finais de semana, geralmente, churrascos com a família. Entretanto, não eram interações significativas. Eles ficavam em um canto, recebiam bebidas e eram questionados se estava tudo bem. Quando falavam, os velhos só eram ouvidos em suas primeiras palavras. Depois, a maioria dispersava.

Velhos não chegavam nem perto de completar 85 anos. Por isso, ele estava surpreso nessa manhã. Recordava como viviam os homens e mulheres da sua idade em “seu tempo” – ou, melhor dizendo, a época quando ele era jovem. Porém, o mundo mudou um bocado e ele tinha uma importante reunião de trabalho agendada dali a poucas horas. Estava orgulhoso. Afinal, ele, de forma instintiva, ajudou a modificar o modo como as pessoas encaravam os idosos. Sentiu-se lisonjeado por sua luta invisível. Tinha uma bandeira para hastear, mas não tinha um discurso como daqueles ativistas insuportáveis. Durante esse devaneio matinal, chegou o termo que tanto buscava: útil. Diria, sem sombra de dúvida, que ainda era de serventia para algo. Um velho útil.

Clique no link e leia o resto da história - https://antologiaclint.wordpress.com/2016/04/19/vento-mistral/

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Recado de Rubens Francisco Lucchetti


Quando alguém como Rubens Francisco Lucchetti fala a gente tem que ouvir. São mais de 1.5 mil livros publicados e 86 anos de vida. O recado dele está dado:


O que me deixa mais triste é a incompreensão e o desprezo da maior parte dos leitores brasileiros com relação aos livros escritos por brasileiros.

Nossos leitores, em sua maioria, só leem e querem ler o lixo de sempre vindo sobretudo das terras de Tio Sam (aí, eu incluo as hqs). Não prestigiam o produto nosso. Já vão logo dizendo: É UM LIXO! Não é bem assim. Esses leitores não sabem que os livros made in USA são escritos por equipes e não por uma única pessoa. Nosso escritor tem de fazer tudo. Escrever, revisar, pagar para seu livro ser editado e, depois, vendê-lo "de porta em porta".

Digo: se o leitor nacional não prestigiar o autor nacional, ninguém o fará.

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Leia Mais sobre o autor - "Esquecido", autor brasileiro de mais de 1.500 livros renasce no Facebook 

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Oh! Rebuceteio 30 Anos Depois: Encontrando Letícia


Eu nunca desisti de encontrar Letícia. Para quem não sabe, Letícia é a personagem principal do filme Oh! Rebuceteio, de 1984, dirigido por Cláudio Cunha (1946-2015). Desde que assisti pela primeira vez esse clássico do cinema nacional, no início dos anos 2000, busco informações sobre a bela mulher que interpretou a personagem principal.

Para quem não viu, Oh! Rebuceteio é um clássico da pornochanchada. Muitos títulos da época recebiam essa alcunha (sempre pejorativa) sem serem, de fato, de sexo explícito. Este, não. Pornochanchada é uma nomeação com mérito! Ele é pornô mesmo e tem um apelo ao “pastelão” ou a tal chanchada. Entretanto, é muito mais que isso.

A sinopse é basicamente uma sátira ao teatro brasileiro. O roteiro, assinado por Cláudio Cunha e Mário Vaz Filho, é bem amarrado e abusa dos estereótipos. Tem a jovem ingênua e aspirante a atriz (já citada Letícia); a mãe esperançosa dessa atriz; o diretor verborrágico e experimental; o assistente homossexual; o ator que quer fama a qualquer preço; o produtor executivo que só busca o retorno financeiro. Eles contribuem para que o enredo seja conduzido de uma forma muito debochada, repleta de falas com altas doses de sagacidade e ironia. O que seria um desastre para qualquer história, nessa faz todo sentido. A intenção é gozar (alerta de duplo sentido) da pretensão da classe artística.

As cenas de sexo explícito não são gratuitas. A maioria está atrelada a um happening proposto pelo diretor Nenê (interpretado pelo próprio Cláudio Cunha), que busca uma tal de metapraxis, algo como a espontaneidade dos atores, com o objetivo de que a peça seja bem sucedida em seu conceito. A interpretação e a trilha sonora original, composta por Zé Rodrix e Miguel Paiva, são outros trunfos que merecem a atenção do telespectador. Por isso, não é exagero afirmar que Oh! Rebuceteio está entre os melhores filmes do gênero em todos os tempos, ao lado de Garganta Profunda (1972), O Diabo na Carne de Miss Jones (1973) e Calígula (1979).

A cena mais emblemática foge do cenário palco do teatro, onde transcorre a maioria da trama. Letícia vai a um estúdio para realizar ensaio fotográfico e (tome mais um clichê aí) transa com o fotógrafo. A iluminação, maquiagem, enquadramentos, música (cantada por Zé Rodrix e citando o nome da personagem) e interpretação são memoráveis, de profundidade e beleza raríssimas em qualquer tipo cinematográfico.


Esse é o motivo da minha busca. Saber o que passou na cabeça daquela mulher que, segundo o cartaz, se chama Eleni Bandettini. Entender por que ela topou estrelar Oh! Rebuceteio. Seria ela ingênua e sonhadora como sua personagem? Teria acreditado também em todo aquele discurso presunçoso? São interrogações que não encontro respostas e acabam fortalecendo a relevância do filme, pois transformam Letícia em um objeto real. Alguém que se equilibrou entre a arte e a realidade.

Ela poderia esclarecer tudo. Mas Letícia sumiu. As pesquisas em fóruns, sites de cinema e em Googles da vida não davam certeza de seu nome verdadeiro, quanto mais de seu paradeiro. Sequer se está viva ou morta. No Yahoo Respostas a questão está no ar desde 2007. “Quem sabe me dizer quem foi Eleni Bandettini?”. Ninguém sabe. A possibilidade dela só ter feito um filme, se arrependido e não ter deixado rastro era real.

Até que a encontrei. Não pelo seu nome, óbvio. Não vou contar como se deu. Mas tentei trocar algumas mensagens com ela e não obtive sucesso.

O que posso afirmar é que, atualmente, Eleni Bandettini (que deve ter entre 50 e 55 anos) é artista plástica, empresária do ramo de decoração de interiores e vive em São Paulo capital. É conhecida por um apelido carinhoso e o sobrenome do segundo marido (não imagino que tenha trocado de nome realmente, mas também não duvido). Ela tem um filho de seu primeiro casamento, que criou praticamente sozinha, e uma neta. Hoje, o palco que importa é o da igreja que frequenta, onde dá seus testemunhos a outros fiéis. “Aceitei Jesus aos 38 anos”, diz ela em um vídeo voltado as “femininas” da congregação. Nesse mesmo depoimento, cita o envolvimento do filho com as drogas e a dificuldade para lidar com a situação. Fala que viveu uma "vida de pecado" e compreende os percalços que passou. Porém, de Letícia nenhuma lembrança que valha a pena ser compartilhada com os demais. Letícia ficou no passado.

Letícia só naquele filme. Naquele filme que ficará para sempre.

Foto de janeiro de 2016


quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Hora e Vez dos Clássicos: Passeio Noturno I e II - Rubem Fonseca


Autor de Feliz Ano Novo, O Cobrador e Agosto

PASSEIO NOTURNO - PARTE I
Rubem Fonseca


Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando impostação de voz, a música quadrifônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala?, perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar. Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar?

A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e a minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos uma conta bancária conjunta.

Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher respondeu.

Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o meu. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico. Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no meio-fio. Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio.

Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos pára-lamas, os pára-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas.

A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia.


PARTE II


Eu ia para casa quando um carro encostou no meu, buzinando insistentemente. Uma mulher dirigia, abaixei os vidros do carro para entender o que ela dizia. Uma lufada de ar quente entrou com o som da voz dela: Não está mais conhecendo os outros?

terça-feira, 12 de abril de 2016

Um Riso Debochado


Eu estava internado numa ala do Hospital de Pronto Socorro. Pneumotórax. Um cano entre as costelas. Morfina. Alguém da minha família teve a dignidade de me trazer um radinho de pilha. Não lembro mais muita coisa desse período. Sei que faz um tempo.

Sei que liguei o rádio para ouvir Grêmio x Paraná. Era fim de segundo tempo quando Tavarelli, goleiro gremista, tomou um frango. 1x0 Paraná. O jogo acabou. O narrador bradava impropérios. “O Grêmio é grande demais para esse vexame!”. No pós-jogo, os torcedores gremistas que foram até o Curitiba espumavam aos repórteres. Outros, quando iam começar um discurso, choravam copiosamente. Sofriam com a sombra da segunda divisão.

Eu, pesando 73 quilos, estirado naquela maca fria e rodeado de homens debilitados, sorria. Sem força. Um riso sem som. Mas um riso debochado.

O futebol é fascinante.


sábado, 9 de abril de 2016

Viver Para Escolher Um Clichê


O amor tinha se tornado uma dívida, com altos juros cobrados. Não eram só as parcelas da casa própria, uma dívida de 30 anos. Não era só a falta de desejo em retribuir os bons serviços prestados. Era o fato de que tudo parecia ridículo. Arrastar as coisas da sala e dançar, agora, soava infantil até. Antes, não. Antes, eles não tinham nada na cabeça, preocupavam-se apenas um com o outro. Antes, era só não pisar nos pés dele e dela quando faziam o “dois pra lá, dois pra cá”. Hoje, Preciso do Teu Sorriso, de Dominguinhos, é só uma suave lembrança, que ambos evitam. Faltava um bocado para amortizar a tal dívida. A rotina irremediável. Na intimidade, a impressão é que haviam instalado um cartão-ponto na cama. Por mais que tentassem evitar, eles se obrigavam a olhar pra frente. Não queriam sentir um leve desespero. Preferiam assistir seus pés criando raízes, rachando o concreto do apartamento de um dormitório. Até que ela resolveu sair, com sua arte pretensiosa e o desejo de viver outros clichês. Quando ele toma coragem e pergunta dela, dizem que parece realizada – ou estaria fingindo bem. “E você, como está?”. Ele não sabe o que responder. Não sabe definir sua nova solidão.

sábado, 2 de abril de 2016

Agendando Uma Consulta


- Alô! É da clínica de traumatologia?
- Sim.
- Quero marcar consulta.
- Qual seu plano?
- Unimed.
- Posicionamento ideológico?
- Centro-esquerda-direita.
- Hum... Infelizmente, não temos médico para o senhor.
- Por que?
- É que o doutor Toniolo é anarquista.

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Para entender o que motivou a criação desse diálogo clique aqui.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Noturno em Brasília - Conto


A premissa era o que Collor estaria pensando desse momento. A partir disso, arrisquei um conto, Noturno em Brasília, que teve abrigo no site Mínimo Múltiplo, do jornalista Lucas Colombo.

Um trecho.

Ele imagina como seria o país se existissem as tais redes sociais em 1992. Imagina, em pleno movimento “Fora Collor”, uma manifestação a favor da Democracia com a chamada Não Vai Ter Golpe. Collor, em seu delírio, também imagina a maioria dos intelectuais, professores e artistas unidos por sua permanência.

Imagina outras tantas pessoas influentes tecendo longos artigos em jornais, revistas e sites. Essas pessoas, em seu sonho, tomam as principais avenidas do país em marcha, alertando que não é possível extrair o presidente sem passar por cima deles. “Mexeu com Collor, mexeu comigo!” é a mensagem que estampa a camiseta de um homem na multidão.

O texto completo no link - http://minimomultiplo.com/index.php?page=269


sexta-feira, 25 de março de 2016

Incógnito - Documentário


"O que é realmente dar certo? Então, a pessoa vem e fala: leva isso como um hobby. Como é que eu vou levar uma coisa como um hobby, se isso é a vida?".

Incógnito não é só um documentário sobre o trabalho de Marcos Andrada. É um pequeno tratado de amor a Arte.

Abaixo, o filme completo.


domingo, 20 de março de 2016

2084


Meu neto adentra o asilo. Vai até a “galera do fundão”, só de velhacos que escondem bebidas, e me encontra.

- Como vai, vô?
- Indo...
- Que tá passando nessa tv smart aí?
- Vários programas ao mesmo tempo. Ainda tenho dificuldade em assistir isso.
- Tá acompanhando a política?
- Não.
- Tem muita coisa acontecendo, vô.
- Ah, é?
- Muitas pessoas nas ruas se manifestando.
- Ué, mas parece tudo tão calmo?
- Claro, mas por que seria diferente?
- Manifestações, sabe como é.
- Nada a ver, vô. Hoje teve manifestação silenciosa e ordeira do pessoal de centro-direita. Eles querem se aproximar dos de centro-esquerda.
- Nossa!
- Amanhã, as manifestações silenciosas e ordeiras serão dos de centro-esquerda.
- Ih, vai dar confusão...
- Hehehe! Nada disso, eles se manifestam pelas aproximações dos "centros". Na verdade, há só um pequeno núcleo dos dois lados que são contrários a união. São chamados de velha guarda, pela imprensa.
- Hum...
- O desejo de todos é unificar o país, vô.
- Ah, bom. É que no meu tempo até os teólogos eram radicais. Ninguém queria unificar porra nenhuma. Só queriam o poder mesmo.
- Sei, vô. Eu li sobre seu tempo.
- A política que se dane! E o futebol? Me atualiza, por favor.
- Teve Gre-Nal faz pouco. O senhor não viu?
- Infelizmente, não. Ando dormindo um bocado.
- Paulinho Catarina fez gol pelo Inter e não comemorou.
- Que filho da puta! Quando fizer gol tem comemorar.
- Mas ele teve uma história muito bonita pelo Grêmio, vô.
- Grêmio que se foda.
- Tu é engraçado, vô.
- Tá, mas o Inter ganhou pelo menos?
- Sim. Cinco a zero. Parece que a última vez que isso aconteceu foi em 2015. Mas o Grêmio que venceu.
- Eu vi! Foi um fiasco. Cada gol do Grêmio era uma punhalada. No outro dia, briguei no trabalho.
- Imagino.
- Bom, deve ter dado um quebra pau federal depois do jogo...
- Que nada! Os gremistas aplaudiram a grande atuação do Inter. E de pé! Inter realmente foi muito melhor. Nós temos um grande time. Os gremistas sabem reconhecer, não há motivo para brigar por isso.
- E o técnico do Grêmio?
- Que tem ele?
- Foi demitido?
- Como assim? Ele ainda tem três anos de contrato. Não entendi tua pergunta, vô.
- Esquece... O vô tá cansado. Deve ser a medicação.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Para Entender o Brasil


Um dia, quando ficar bem velhinho, ainda quero ler um livro sobre esse momento do Brasil.
De preferência, numa casa, isolado, em alguma picada em Morro Reuter.

Ou, quem sabe, num asilo, recebendo papinha de uma enfermeira mal-humorada, que todos as noites me conta histórias eróticas e me dá remédios tarja preta pra dormir.

Pouco importa. Eu tenho que estar vivo. Eu tenho que estar vivo para ler sobre isso que estamos passando hoje.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Dicas de Leitura e Um Vídeo


Para quem conseguir um tempo e estiver afim de ler textos interessantes, sugiro alguns artigos que me deparei recentemente. Ah, tem um vídeo também.


Um Nova Era, por Cacá Diegues - http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2016/03/uma-nova-era.html 

Isto É Democracia, por Marcelo Rubens Paiva - http://cultura.estadao.com.br/blogs/marcelo-rubens-paiva/isto-e-democracia/ 

Lula Volta a Lula, por João Moreira Salles - http://revistapiaui.estadao.com.br/questoes-da-politica/lula-volta-a-lula/

Lula, Freud e o Futuro da Esquerda, por José Padilha - http://extra.globo.com/noticias/brasil/artigo-lula-freud-o-futuro-da-esquerda-18816030.html

Por Que Nosso Futuro Depende de Bibliotecas, de Leitura e de Sonhar Acordado, por Neil Gaiman - https://indexadora.wordpress.com/2013/10/17/neil-gaiman-por-que-nosso-futuro-depende-de-bibliotecas-de-leitura-e-de-sonhar-acordado/

O Que a História de Dois Superdotados Revela Sobre o Brasil - http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/02/o-que-historia-de-dois-superdotados-revela-sobre-o-brasil.html

Vídeo: Dossiê Globo News com Gay Talese - https://www.youtube.com/watch?v=r497U7PoPCc 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Um Nobel Quase Esquecido



Knut Hamsun. Maior escritor norueguês. Nobel de Literatura em 1920.

Na década de 40 anunciou sua admiração por Hitler e o nazismo. A guerra acabou. Foi julgado, condenado e preso por suas opiniões políticas.

Seu advogado sugeriu, em razão da sua elevada idade - morreu logo após, com 92 anos, em 1952 - que ele alegasse senilidade ao juri. Deu de ombros. Não mudaria de opinião.

Mas o povo mudou sua opinião em relação a ele e sua obra.

Desde então, os noruegueses tem vergonha de seu mais reconhecido escritor - até surgir o tal Karl Ove Knausgard, autor de Minha Luta (esses noruegueses...).

Hamsun escreveu o clássico Fome, de 1890 - maior inspiração do norte-americano John Fante. O livro repousava na biblioteca pública municipal de Poa há quase 13 anos. Até que alguém resolveu pegá-lo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Faquir


- Como tu tá magro, Lucas! 
- Pois é...
- Dieta?
- Não. Há três meses estou vivendo de Literatura.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Se Deus Quiser, Seremos Todos Idosos e Negativados Um Dia...


- Sei que um dia eu vou morrer. Mas em todos os outros, estarei vivo.

- Que bonito isso! É seu?

- Não. Tirei de uma propaganda de uma financeira que oferece créditos para idosos e negativados.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Quando Os Vencedores Ficam Pra Trás


Tem o caso daquela atleta suíça, Gabriele Andersen, na Olimpíada de Los Angeles, em 1984. Ela chega toda torta, cambaleante, na reta final da maratona feminina. Até que cruza a linha e desmaia nos braços dos assistentes. 37ª colocada. Mesmo assim entrou para a história. Superação. Espírito olímpico. Etc. Agora eu pergunto: alguém lembra quem ganhou aquela bendita medalha de ouro? Ninguém lembra. O mundo só tem olhos para a suíça perdedora. A vencedora, que se preparou anos para ser campeã, está esquecida em algum canto.

Veja outro caso: Doutor Sócrates. Jogou futebol de 1974 a 1989. Nesse tempo todo ganhou três campeonatos paulistas pelo Corinthians (teve uns cariocas pelo Flamengo, mas ele jogou muito pouco no clube). Mesmo assim, está no panteão dos melhores de todos os tempos. Um dos atletas mais inteligentes da história, segundo o jornal britânico The Guardian. Nada de título brasileiro, nada de Libertadores. Pela seleção, nem uma Copa América ele conseguiu. Injustiça. Merecia ter vencido, pelo menos, a copa de 82.

E o Zinho? Jogou de 1986 a 2007. Conhecido maldosamente como “enceradeira”. Girava com a bola escondida rente aos pés. Foi campeão do mundo em 1994, como titular da seleção. Cinco vezes campeão brasileiro. Quatro Copas do Brasil e uma Libertadores da América no currículo.

Arrisco afirmar que, em 50 anos, ninguém se lembrará mais do Zinho. Como ninguém se recorda mais de Joan Benoit Samuelson, norte-americana. Vencedora da maratona de 1984.

Às vezes, o mundo também sabe ser injusto com os vencedores.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Virose nos Sebos


As pessoas começam a desapegar da sua obra (ou não gostar, ou estão mal de grana, ou... ou...). E ela começa a rodar por aí.

Essa breve divagação é pra dizer que meu livro, Virose (de 2013), já aparece em alguns sebos. Fiquei sabendo por um amigo. Como sou louco por sebos, como sigo comprando e indo em sebos, achei uma boa notícia.

Na Estante Virtual, já dá pra achar: http://www.estantevirtual.com.br/sebotraca/Lucas-Barroso-Virose-196732643

Também está à venda em sites como Saraiva, Amazon e etc. O preço é justo. Entre R$ 25 e 30.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Conto Inédito - Quando Fui Puta


Eu tinha passado dos quarenta. Estava fora do peso. Peitos caídos. Não usava biquíni há tempo – agora, era maiô na praia e na piscina. Me achava velha. Eu acreditava que uma mulher da minha idade deveria responder à etiqueta. Vestir roupas sóbrias e manter certa uma postura. Confesso que tinha a convicção que o sexo era uma picardia juvenil. Mas ainda tinha a bunda grande. Com estrias brancas – como um eletrocardiograma – transcorrendo das nádegas às coxas. Com um número considerável de celulite. Ele estava pouco se lixando para isso. Ele era tarado por minha bunda. Trabalhava comigo e me olhava de um jeito... Eu sentia um calorzinho por dentro. Ceder seria uma insanidade. Ceder seria infantil até. Mas por que não? Porque eu era casada? Porque eu tinha filha pequena?

Quando me vinham esses pensamentos, lembrava de imediato de meu pai. Sempre grosseiro. Sempre estúpido. Sempre com uma resposta para tudo que existe no mundo. Sempre com “a” razão. O dono da verdade falava assim.

- Tem um monte de mulher puta no mundo. O curioso é que nenhuma delas é mãe de ninguém.

E concluía dizendo que a gente se achava superior aos homens. Segundo ele, tudo não passava de discurso vazio e moralista.

- Ninguém presta... – finalizava.

E não discutia ou emitia qualquer outra opinião. A família ficava boquiaberta. Nesses encontros com tios, primas, avós – geralmente, aniversário de alguém –, ele sempre encontrava uma maneira de falar asneira e deixar o clima tenso. Ele não estava nem aí pra ninguém. Egoísta. E pais não podem ser egoístas. O fato é que cresci com essa merda na cabeça. Pensando que mulher, para “prestar”, tinha que conter seus instintos. Responder a etiquetas. Segurar a onda e não dar para qualquer um. Quando desse, era só para esse um. Já os homens, não. Os homens blá blá blá blá... As feministas tinham razão em sua ladainha. Mas elas sempre me passaram a impressão que queriam “prestar”. Eram muito certinhas. Eu ficava mais atraída com a imagem das mulheres que faziam filmes pornôs. Nas vezes que assistia – sempre sozinha – tinha a impressão que elas eram livres. E pareciam tão felizes... Não havia opressores e oprimidos no sexo que elas faziam.

A questão é que o desgraçado do velho já tinha morrido de tanto beber. Não fazia sentido ainda pensar nele quando recebia um olhar daqueles. Foda se!

Em um intervalo para o almoço, fomos para um motel. Conduzi a coisa toda. Deixei que admirasse minha bunda. Deixei que fosse sem camisinha. Deixei que gozasse nela. Depois, deixei que ele desferisse tapas com força. Deixei que acariciasse os vergões. Rebolei sem jeito – como se soubesse rebolar –, só para ele assistir minha bunda balançando. Até que ele não resistiu e a beijou. Enfiou seus dedos compridos. A cara toda. O pau. De novo.

No outro dia, fui trabalhar de vestido. Recebi o mesmo olhar quando nos cruzamos. Não conseguimos um instante a sós. Depois de mijar, tive vontade de me tocar. Lavei o rosto e desisti da ideia. Senti uma pequena angústia. Só parei de pensar nele quando peguei minha filha no colo, na creche, e a levei até o carro. À noite, usei meu marido para transar com aquele olhar. Quando ele acabou, fui ao chuveiro e segui com aqueles olhos me consumindo. A água batia em todo o meu corpo. Mas eu não me refrescava, nem sentia vontade de me limpar.

Propus que ele viesse até minha sala, após o expediente. Trepamos sobre a mesa. Luzes apagadas. Porta trancada. Estava louca que alguém da vigilância batesse. Ninguém bateu. Acabou passando do horário de buscar minha filha na creche. Pedi a meu marido que fosse. Ele queria saber o motivo. Inventei qualquer bobagem.

Seguimos. Em um mês, eu já tinha feito boquete enquanto ele dirigia, inserido vibradores de vários formatos e cores, transado no banheiro masculino da firma, batido uma punheta para ele no cinema enquanto assistíamos O Lobo Atrás da Porta, deixado me fotografar por debaixo da mesa de um restaurante sem calcinha. O ponto alto foi quando fudemos na sala de estar, de madrugada, enquanto meu marido dormia. Fiquei de quatro, corpo escondido pela parede, cabeça voltada para o quarto. Monitorava a porta entreaberta ao final do corredor. Não fizemos nenhum ruído. Até que ele me deu um beijo brusco na boca, um tapinha na bunda – indicando que havia acabado e eu podia me arrumar – e saiu. Fui para a janela e vi seu carro sumir na noite. Seu gozo escoria por minhas coxas. Um pingo desceu mais depressa e alcançou meu tornozelo direito...

O melhor horário era logo depois do expediente. O dia nos excitava mais. Porque era inóspito. Porque sempre tinha a possibilidade de infringir algo. E, assim, criar algo novo. Fomos flagrados em uma garagem particular, no Centro Histórico. O funcionário – um jovem com espinhas no rosto e boné quase tapando os olhos – desconfiou. Viu que o carro estava um pouco à frente que os demais. O motivo: estávamos atrás do porta-malas. Eu deitada no concreto. Ele sobre mim, com aqueles olhos... O rapaz não soube o que fazer. Não interferiu, nem comentou nada. Ao vê-lo parado ali, eu apenas disse que estávamos acabando. Ele então falou.

- Tudo bem... Tudo bem...

E fez de conta que saiu. Mas foi um golpe falso, pois percebi que nos espiava atrás de outro carro. Imaginei que estava se masturbando, me vendo ali. 

Por tudo isso, desisti definitivamente de buscar minha filha na creche. Meu marido protestou. Como a situação ficou insustentável. Aproveitei e desisti do meu marido também. Era livre. Tinha o final de tarde e início de noite para esquecer e aceitar o tempo. Aproveitei e aceitei outras mulheres, travestis, outros homens – enfim, a tal dupla penetração, que não achei nada demais; só sentia o pau dele. Aceitei o que lhe excitava. Fui a um haras. Deixei que me filmassem masturbando um cavalo. Bebi aquilo tudo. Depois do bicho, sem câmeras me gravando, me encostei em uma cerca, empinei minha bunda grande e vi uma fila de homens se formar. Somente trabalhadores do local. Quinze ao todo. Entre eles, fui a primeira de um menino de 16 anos, o filho do caseiro. A cada um que me comia, percebia aquele olhar. Eu sentia que aquele olhar ainda me admirava...

Não sei quando aqueles olhos – duas bolas pretas e profundas – fugiram de mim. Só sei que não pude aceitar. Aquele olhar era tudo que eu tinha. Aquela veneração por minha bunda... Quando perguntei o motivo, ele afirmou que não sabia. Após minhas investidas tresloucadas, sumiu por seis meses. Quando lhe achei, implorei com mais força. Ele disse que não havia possibilidade. Que eu estava sendo ridícula. Que as coisas mudam. Que as pessoas desistem. Que nada dura para sempre. Que tempo fode com tudo. Mas com uma facada no seu bucho, consegui convencê-lo a ficar. 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Quintana Lançando Bóias Ao Mar Revolto



Poema consta no livro Apontamentos de História Sobrenatural, de 1976. Também foi selecionado por Italo Moriconi como um dos Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Conversando Com Um Ator


Ele era ator, mas nunca havia encenado uma peça, filme, novela, comercial ou algo do tipo. Assim como eu era escritor sem nunca ter publicado nada.

Ele era um tanto curioso. Durante uma conversa informal, mudava de tom, trejeitos, posturas e convicções políticas ou religiosas. As mudanças, repentinas, aconteciam diversas vezes e em breves intervalos.

- Aproveito momentos como esse para ensaiar, criar personagens, me desculpe - ele falava, quando me via confuso diante da sua performance.

No fundo, eu o compreendia. A necessidade de se expressar é insuportável e, muitas vezes, torna as pessoas um tanto ridículas.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Modiano Perseguindo Fantasmas


A obra de Patrick Modiano ganhou visibilidade após seu reconhecimento com o Nobel de Literatura, em 2014. Mesmo assim, parece que ainda não mereceu a devida atenção no Brasil. Estamos falando de um grande e inventivo escritor. Um homem com fixação pela memória. Um prisioneiro do seu tempo, como o próprio afirmou em entrevistas.

As incertezas factuais que as lembranças trazem são temas recorrentes em sua carreira literária. Outro ponto comum – e central – é a geografia. Seus livros são ambientados em Paris, seu local de nascimento e onde reside. Entretanto, a Paris que o autor descreve não existe mais – é a cidade ocupada pelos nazistas; a que tenta se reconstruir após a segunda guerra, repleta de homens e mulheres que não deixaram pistas de seu passado. E são esses seres esquecidos que Modiano descreve, persegue e tenta contar suas histórias. Aliás, história que também é a sua, afinal, ele é filho de um judeu e cresceu durante a ocupação alemã na França. Não há didatismo ou maniqueísmo em sua abordagem. Essa postura é uma das virtudes do autor – ainda mais nessa época de julgamentos em tempo real e dicotomias tolas.

Os personagens principais de seus romances mantêm um pé no presente e os olhos fixos no passado, buscando montar quebra-cabeças nebulosos, com peças ausentes, imprecisas. Modiano não utiliza arroubos líricos em sua narrativa. Sua verve é bem simples e as tramas que constrói não são maçantes Contudo, os enredos se mostram minuciosamente descritos. Tudo isso condensado em livros que não ultrapassam as 200 páginas.

Da sua bibliografia - são mais de 30 livros -, os destaques são os sublimes romances Dora Bruder e Remissão de Pena – curiosamente, ambos tratam da infância e juventude. Outros títulos de Modiano que merece atenção são Uma Rua de Roma e Flores da Ruína. Deste último, publicado em 1991, há dois trechos que evidenciam as intenções e efeitos que sua ficção nos apresenta.


Tomava notas. Sem ter uma consciência clara disto, começava meu primeiro livro. Não era levado por uma dor particular, mas simplesmente pelo enigma que um homem que eu não tinha nenhuma chance de encontrar me apresentava, e por todas aquelas perguntas que jamais teriam resposta.

Às minhas costas, o jukebox tocava uma musica italiana. O cheiro de pneus queimados pairava no ar. Uma jovem avançava sob as folhas das árvores do boulevard Jourdan. A franja loura, as maçãs do rosto e o vestido verde eram o único toque de frescor naquele início de tarde agosto. De que adiantava tentar resolver mistérios insolúveis e perseguir fantasmas, quando a vida estava ali, em toda a sua simplicidade, sob o sol?

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Eu não havia me afastado da janela. Sob a chuva torrencial, ele atravessou a rua e se encostou no muro de apoio da escadaria que tínhamos descido havia pouco. E continuava lá, de pé, as costas apoiadas no muro, a cabeça erguida na direção da fachada do prédio. A água da chuva escorria do alto das escadarias e caía sobre ele, e seu paletó estava encharcado. Mas ele não se movia um milímetro sequer. Então houve um fenômeno para o qual tento hoje encontrar uma explicação: a lâmpada do poste que, do alto, iluminava a escadaria se apagou de súbito. Pouco a pouco, aquele homem se fundia ao muro. Ou então a chuva, de tanto cair sobre ele, apagava-o, como a água dilui uma pintura que não teve tempo de se fixar. Embora eu apoiasse a testa contra o vidro e perscrutasse o muro cinza escuro, não havia mais vestígio dele. Ele havia desaparecido desse jeito repentino que eu notaria mais tarde em outras pessoas, como meu pai, e que deixa alguém perplexo a ponto de não restar outra opção a não ser procurar provas e indícios para persuadir a si mesmo de que essas pessoas de fato existiram. 


Leia também: Quem Poderia Ter Sido Dora Bruder