quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Quando o Aplauso Não Vem


Vou contar uma de bastidores pra vocês. Recentemente, escrevi um livro infantil. Nunca imaginei que teria capacidade de construir algo para crianças. Fiquei satisfeito com o resultado. "Fiz o melhor que pude com o que tinha em mãos", como diz Philip Roth. Sempre que acabo um trabalho, mostro para meus amigos - leitores exigentes e ótimos conselheiros. A maioria já me acompanha e contribui muito no desenvolvimento crítico da minha escrita.

Pois bem, o tal livro infantil foi bem aceito - um deles me afirmou que foi a melhor coisa que escrevi. O título era "O Gato Que Se Chamava Rex". A sinopse da história: um gato que age como cachorro e tem de conviver com o estranhamento dos cães, gatos e humanos que o cercam. A sacada seria trabalhar os gêneros com a gurizada.

Mandei o original para uma editora média, com experiência em literatura infantil. Tive, para minha surpresa, uma resposta imediata. Em questão de horas, a editora responsável me retornou o email. Adorou o livro. Disse não conseguiu parar de ler. "E que título!".

Eu acreditei que a afirmação de meu amigo estava certa. Era, provavelmente, a melhor coisa que tinha escrito. Entretanto, a vida não isso é aí que vocês assistem pelo Facebook. A editora desistiu e nas outras tentativas de publicação não tive retorno positivo.

A lição é bem simples. Quem se mete com literatura tem que estar disposto ao fracasso. Tem que estar disposto a ser o palhaço que faz troça e espera o aplauso. Muitas vezes, ele não vem.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Retrospectiva 2015: Um Ano Nada Original



"(...) no cinema, o sucesso do momento é “Star Wars”. Na televisão, “Escolinha do Professor Raimundo”. No futebol, o Barcelona dá aula. Tem algo errado com este ano... A sensação é de que estamos nas décadas de 80 ou 90. É só a pochete voltar a virar moda! Daí, não faltará mais nada. (Falando em moda, será que 2015 ficará marcado pelo surgimento dos livros de colorir para adultos? Melhor deixar pra lá...)".

Política, cultura, esporte, comportamento... Não foi fácil fazer um panorama desse ano, para o site Mínimo Múltiplo. Mas ela taí. Contei a ajuda e a edição do sempre atento Lucas Colombo.

Acho que o resultado ficou bacana. Neste link, o texto completo http://minimomultiplo.com/index.php?page=267


quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A Misantropia Literária de Raduan Nassar


Não são poucos os casos de escritores reclusos, que evitam seu público, imprensa e tudo mais. No Brasil e no mundo há diversos exemplos. Rubem Fonseca (teve uma rara e recente aparição pública em Portugal, em 2012, esbanjando carisma), Dalton Trevisan, Thomas Pynchon, Salinger...

Curiosamente, todos optam pelo recolhimento após iniciar a carreira e obter um certo sucesso literário, com repercussão, dando entrevistas em televisões, revistas, etc. Fica evidente que não são reclusos por natureza. Tornam-se depois de reconhecidos. As razões não são esclarecidas. Os escritores preferem tergiversar, talvez, para alcançar uma aura mítica em vida.

Com Raduan Nassar, autor de Lavoura Arcaica e Um Copo de Coléra, também foi assim. A diferença é que ele, segundo o próprio confirma, abandonou a escrita. Nassar não vive isolado, fugindo das lentes ou vestindo óculos e chapéus que escondem seu rosto. Ele resolveu dedicar sua vida a agricultura. É uma pessoa acessível, fácil de se localizar. Porém, nega entrevistas e contato com a imprensa. Há relatos na internet de estudantes e escritores que o encontraram ou mantem contato rotineiro.

Entretanto, na maioria das descrições, Nassar transparece uma misantropia com a Literatura e tudo que a envolve. Na entrevista mais longa que concedeu, aos Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituo Moreira Salles, em 1996, tem muito desse sentimento nas suas respostas. Algo o incomodou, porém, não fica evidente o que ocorreu.

Vale dar uma lida na longa conversa. Separei algumas respostas do (ex-)escritor.

"Não tem muito que esclarecer. Em todo caso, veja esses dois versos do Jorge de Lima que já citei à exaustão: "Há sempre um copo de mar / para um homem navegar". As palavras empregadas são do quotidiano, a rima é comum, a sintaxe não poderia ser mais simples. Mas são dois versos generosos para a imaginação. Ou a descoberta que o personagem do Ibsen revela para a mulher em Um inimigo do povo: "O homem mais forte é o que está mais só". Uma afirmação sem qualquer artifício no seu enunciado, de que você pode inclusive discordar, mas que é fascinante no contexto da peça. E segura essa: "Desisti de escrever porque há um excesso de verdade no mundo", uma afirmação do Otto Rank, que o Abbate me deu de presente quando abandonei a literatura".

"Só desequilibrados é que descobrem que este mundo não tem importância".

"Só pra se ter uma ideia, já disseram que o conceito de solidariedade não será mais entendido pelas novas gerações do próximo milênio. Em sintonia com isso, certos escritores vinham há tempos chupando o sangue das palavras, queriam a qualquer custo acabar com os sentimentos na literatura. Andaram complicando um pouco as coisas. Isso me faz lembrar um conto húngaro, em que um ferreiro fazia operações de catarata com um instrumento rústico, mas sempre com muito êxito. Sua fama trouxe até ele os sábios da medicina, já viu! Deitaram tanto conhecimento em cima do pobre ferreiro que acabaram por inibi-lo, a ponto de ele nunca mais conseguir levar a cabo uma cirurgia. Aqueles sábios procuravam provavelmente compensar a sua falta de talento para fazer com um suposto conhecimento de como fazer. Deviam até passar por ótimos teóricos, mas só atrapalhavam. Acho que a literatura perdeu certa ingenuidade, como aquele ferreiro depois da visita dos sábios. Em literatura, quando você lê um texto que não toca o coração, é que alguma coisa está indo pras cucuias. Na minha opinião".

"Seja como for, talvez a gente concorde nisso: nenhum grupo, familiar ou social, se organiza sem valores; como de resto, não há valores que não gerem excluídos. Na brecha larga desse desajuste é que o capeta deita e rola".

"Futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo etc. Confesso que sou o exemplo mais acabado de ignorância de tudo isso, por consciente desinteresse".

"Obsceno é toda mitificação. Obsceno é dar um tamanho às chamadas grandes individualidades que reduz o homem comum a um inseto. Obsceno é não fazer uma reflexão pra valer sobre o conceito de mérito, dividindo tão mal o respeito humano. Obsceno é prostrar-se de joelhos diante de mitos que são usados até mesmo como instrumento de dominação. Obsceno é abrir mão do exercício crítico e mentir tanto".

Você pode ter acesso a entrevista completa nesse link: http://www.blogdoims.com.br/ims/entrevista-com-raduan-nassar-2


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Perder a Inocência Faz Mal ao Escritor*


Por Antonio Carlos Viana

Comecei a escrever por acaso. Não foi algo planejado, que tenha nascido de um desejo irrefreado. Nunca me peguei dizendo: “Vou ser escritor”. Claro que, um dia, tive meus sonhos de ser poeta, como todo bom adolescente, mas logo desisti do intento quando descobri que estar ao lado de um Drummond, de um Bandeira, não era nada fácil. Pensava que para escrever poesia bastava seguir a emoção. Quando descobri, mais adiante, que era preciso ter muita aplicação, muita técnica, e conheci a obra de João Cabral de Melo Neto, desisti de vez da poesia.

Só fui voltar a pensar a escrever já alguns anos depois de formado em Letras. Aí já tinha lido muito, descoberto grandes autores, visto que a imaginação podia ser a porta para criar universos bem pessoais. Foi nessa época que descobri um contista goiano injustamente esquecido hoje: José J. Veiga. Houve, de imediato, sintonia entre mim e ele desde a primeira leitura de Os Cavalinhos de Platiplanto. Senti que aquele poderia ser meu caminho, explorando, sobretudo, o universo da infância, que é de uma riqueza infinita para quem se propõe escrever.

Do primeiro conto ninguém esquece. Havia comprado uma maquina de escrever Remington portátil. Naquele tempo, início dos anos 1970, comprar a primeira máquina de escrever correspondia hoje não ao primeiro computador, mas ao primeiro carro. Quando cheguei em casa com aquele troféu, fruto de minhas sofridas economias, pus uma folha de papel e comecei a escrever o que me veio à cabeça. Deixei que minha imaginação guiasse meus dedos. Saiu uma história estranha, a de um menino cujo irmão parece estar morto sem que a mãe dê a menor atenção ao fato. Fui adiante, não quis censurar nada. A história ganhou caminhos insuspeitos e eu mesmo me surpreendi com seu desfecho. Daí para o segundo conto foi um pulo. E veio o terceiro, o quarto... Achei que era aquele meu caminho, se eu quisesse ser mesmo escritor, ainda uma vaga ideia em minha cabeça. Como não tinha a quem mostrar meu trabalho, resolvi mandar os melhores contos para dois concursos literários. Surpreendentemente ganhei os dois. Foi uma notícia que me deixou surpreso. Descobri que escrever poderia ser fonte de emoção, sobretudo depois de concluído e aprovado o trabalho por um júri exigente, como o dos concursos que ganhei.

Dali em diante, não parei mais de escrever. Se ainda havia em mim os desejos de ser poeta, os enterrei de vez. Teria de cavar meu lugar entre contistas, o que também não seria nada fácil, depois de ter conhecido Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector... Era a época do realismo mágico e parecia ser fácil escrever nessa linha, só que não era. O fantástico tem suas leis e é preciso observá-las para evitar as facilidades do gênero.

Paralelamente a essa minha descoberta de que podia ser contista, continuei lendo muito, sobretudo livros ligados à técnica literária. Para aprimorar meus conhecimentos, fiz mestrado em Teoria Literária; anos depois, doutorado em Literatura Comparada. A facilidade do início da carreira, fruto da ingenuidade, foi sendo substituída pela complexidade do fazer literário, resultado da leitura de teóricos como Roland Barthes, Todorov, Kristeva, Lotman e outros não menos complexos.

Confesso que, desde então, escrever se tornou uma tortura. Não conseguia mais produzir nada com a tranquilidade dos primeiros contos. Saber teoria não melhora a produção literária, a não ser que você esqueça tudo na hora do trabalho, o que é difícil. Perder a inocência faz muito mal ao escritor. Minha batalha agora era tentar separar o estudioso de teoria do escritor que pretendia ser. Consegui isso a duras penas, depois de um grande silêncio criativo, quando pensei que iria abandonar de vez a escrita. A fonte havia secado. Senti que, se não desvinculasse o escritor do professor de teoria, jamais voltaria a escrever qualquer miniconto.

A aprendizagem foi dura e longa. Hoje, como nos primeiros tempos, deixo a imaginação alce voo, sem censura, sem me cobrar resultados imediatos a cada conto que estou escrevendo. Se der certo, ótimo. Se não, tomo apenas como exercício. Como me considero um discípulo de Paul Valéry – fundamento de minha tese de doutorado –, sempre acho que um texto pode ser trabalhado ao infinito. Quem põe um ponto final nele é o editor, quando diz “chega”. Para o autor, a obra é interminável, sempre passível de reconstrução. Valéry dizia também que não há texto perdido, desde que a gente o trabalhe até chegar a uma forma, se não perfeita, pelos menos que nos satisfaça. É isso que persigo obstinadamente. Primeiro, escrevo o texto, que nunca vem pronto de primeira. Nunca sei aonde vai dar. Assusta um pouco, porque você pode colocar nele toda sua energia e esperança e, ao final, não chegar ao resultado que esperava. Muitos contos já vêm mais ou menos bem delineados, outros precisam de anos para chegar a um fim que me agrade. Esse trabalho é incansável. Ocupa os dias e as noites. Às vezes, acordo pensando numa personagem que deixei em suspenso ontem à noite. O trabalho de limagem é o mais difícil. Quase sempre a primeira forma é a melhor. À medida que vou sofisticando o texto, vejo que só pioro. É preciso ter a medida certa, o que nem sempre é fácil. Por isso preciso de uns três ou quatro leitores especiais para apontar meus defeitos.

Qualquer coisa que a gente escreve pode chegar a um bom termo, desde que trabalhemos, trabalhemos, sem trégua. Hoje posso dizer que tenho alguma tranquilidade para escrever. Sei que nem tudo vai dar certo. É com pena que abandono algumas histórias que teimam em não se concretizar. Que fazer? Nada. Certas personagens são como certas pessoas: atiçam nossa curiosidade e depois somem para um espaço a que não temos mais acesso. Resta-nos a frustração do conto que não foi escrito e que nunca será esquecido. Não adianta brigar com os contos que não deram certo. Melhor trabalhar aqueles que se mostraram dóceis ao nosso tato. Escrever exige muita paciência.

* Texto originalmente publicado no livro Ficcionais (Editora Cepe, 2012), onde 32 autores contam suas experiências na produção de suas obras literárias.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Ele Disse-me Assim


Então, o velho me disse assim.

“Enquanto a lei permitir, eu vou comer carne vermelha, fumar, beber e jogar na loteria esportiva”.

Jurei que ele tinha falado Deus, ao invés de lei. Mas ele não tinha jeito de quem acreditava.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Justified - Série Baseada Em Um Conto de Elmore Leonard


Porque um seriado baseado na obra de Elmore Leonard tem que ter frases excepcionais.



As imagens são de um episódio da sexta temporada (a última) de Justfied, que é inspirada no conto Fire In The Hole, do grande livro Quando As Mulheres Saem Pra Dançar (Editora Rocco, 2005).

Aliás, Elmore Leonard, falecido em 2013, é fonte de inspiração recorrente em Hollywood. Muitos filmes, com sucesso de público e crítica, são baseados em suas histórias.

Nesse link (http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/53660), há dez exemplos.