domingo, 26 de abril de 2015

O Texto Impecável de Gay Telese


Gay Talese gosta de se vestir de muito bem. Adepto do terno feito por alfaiate, profissão de seu pai. É, de certa forma, desnecessário falar de roupas quando se cita um dos maiores jornalistas de todos os tempos. Porém, seu texto é impecável. Exatamente como seus trajes, que, segundo ele, trazem uma credibilidade tremenda.

Talese é um dos pilares do New Jornalism, junto de Tom Wolfe, Truman Capote e Norman Mailer. Gênero que recriou o modo de se contar uma história, uma notícia, aproximando os fatos da Literatura. Seu livro Fama e Anonimato, onde Talese traça diversos perfis, de Frank Sinatra a cidade Nova York, é obrigatório. É um tomo de mais de quinhentas páginas, mas você lê sem esforço algum.

Sua bibliografia é repleta de grandes livros-reportagem, como A Mulher do Próximo, O Reino e o Poder e Vida de Escritor, além de diversas matérias de repercussão em revistas e jornais norte-americanos. Trabalhou por muito tempo na Esquire e The New York Times. 

Separei um trecho, na verdade o começo, de Honra Teu Pai (publicado originalmente no Brasil com o título Os Honrados Mafiosos, pela editora Expressão e Cultura), de 1971, onde Talese adentrou no mundo da máfia dos EUA para contar a rotina de mafiosos, mostrando o que acontece dentro das suas casas, como eles tratavam suas esposas, mulheres, filhos, amigos. E, por fim, qual era o código de ética que regia o mundo do crime.


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Por saber que não lhes convém ver demais, a maioria dos porteiros de Nova York adquiriu uma extraordinária capacidade de visão seletiva: sabem o que ver e o que ignorar, quando ser curiosos e quando é preferível ser indolentes; quando ocorrem acidentes ou discussões na frente de seus edifícios, geralmente estão lá dentro; e quando ladrões fogem pelo saguão, estão quase sempre procurando um táxi para alguém. Embora um porteiro possa ser contrário a subornos ou adultérios, está invariavelmente de costas quando o síndico passa dinheiro ao inspetor do Corpo de Bombeiros ou quando um morador cuja a mulher está fora entra com uma moça no elevador. Não se pretende com isso acusá-los de hipocrisia ou covardia - apenas sugerimos que seu instinto de não participação seja bastante forte, e podemos imaginar que os porteiros hajam aprendido, pela experiência, que nada se ganha servindo como testemunha ocular das coisas feias da vida ou da loucura da cidade. Nesse caso, não é de se estranhar que na noite em que Joseph Bonanno, chefe da Máfia, foi agarrado por dois pistoleiros diante de um luxuoso edifício de apartamentos na Park Avenue, perto da Rua 36, pouco depois da meia-noite de uma chuvosa terça-feira de outubro, o porteiro estivesse conversando com o ascensorista no saguão e nada visse.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Conto Publicado na Revista Flaubert


Ultimamente, ando com boas novas. Meu conto Vivendo em Hollywood foi publicado pela revista Flaubert. É a 13ª edição e tá cheia de gente bacana.

A Flaubert é, sem dúvida, uma das publicações mais respeitadas de literatura. Então, se vocês tiverem um tempinho, deem uma lida que vale muito a pena.

Fiquei muito contente em participar.

O link para acessar é esse: http://issuu.com/revistaflaubert/docs/flaubert013 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Participação no Projeto 2 Mil Toques


Tive o prazer de participar e contar um pouco da minha rotina no projeto 2 Mil Toques, do escritor André Timm.

Muita gente boa já passou por lá. Vale conferir!

No link, dá pra acessar o texto completo: http://2miltoques.tumblr.com/post/116464351662/lucas-barroso-sou-como-aquele-turista-japones-que

terça-feira, 14 de abril de 2015

Do You Wanna Dance


Seis horas da manhã em um puteiro. Certamente, é um dos lugares mais tristes para se estar. Não há mais nada a fazer. As máscaras caíram. O tempo de fingimento acabou. Cada vez que a porta abre para alguém sumir, uma nesga de Sol invade de leve o ambiente. Uma sensação estranha, sem dúvida. Para completar, o disc jockey tocou Do You Wanna Dance, de Johnny Rivers.

Eu estava sentado em silêncio com uma funcionária da casa e apenas um casal teve a decência de se levantar e dançar. Os garçons recolheram as mesas como eles não existissem. Era uma cena interessante.

Quase a perdi, pois um fotograma da minha vida passou. E tudo que eu poderia ter sido me assombrou um pouco. Entulhos de memórias me soterraram. Fugi desse pensamento – como sempre faço – e me fixei no casal, outra vez.

Imagino que, horas antes, ambos tinham interesses bem definidos. Imagino, também, que alcançaram suas metas para a noite. Agora, restava apenas serem sinceros. Eu podia jurar que aquele abraço – e aquele um pra lá, um pra cá – tinha uma conotação de carinho. E aqueles olhos fechados esperavam que a canção não terminasse nunca mais.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Tempo Dos Poetas Menores *

O tempo dos poetas menores está chegando _ anunciou o poeta sérvio Charles Simic no fim dos anos 1980. "Adeus Whitman, Dickinson, Frost. Bem-vindos vocês cuja fama nunca crescerá além da família próxima, e talvez um ou dois bons amigos reunidos depois do jantar para beber um jarro de vinho tinto". Encontro as encorajadoras propostas de Simic em um dos ensaios de "Arte da pequena reflexão", livro do poeta Fernando Paixão (Iluminuras) dedicado ao estudo do poema em prosa contemporâneo. Nascido em Belgrado mas radicado nos Estados Unidos, Simic é um poeta do movimento e da expansão. 

Nascido em Portugal e radicado em São Paulo, Paixão parte de outra de suas firmes declarações: "Minha aspiração é a de criar uma espécie de não gênero composto de ficção, autobiografia, ensaio, poesia e, claro, de anedota". O desafio de Simic me leva a pensar em tantos poetas que conheço que se sentem asfixiados por escrever apenas para meia dúzia de leitores, como se não escrevessem para ninguém. E a pensar, mais ainda, nos que não conheço. Sentem-se esquecidos, desprezados, ludibriados. São poetas que não se livram do sentimento de que não encontram um lugar para si _ de que sua poesia não é acolhida pela própria poesia. Pois eles deviam ler Simic. A respeito de seu desafio, comenta Fernando Paixão: "Longe da ideia habitual que se tem do poeta, como alguém iluminado e altivo, encontra-se o elogio do escritor encarnado em homem comum, envolvido no cotidiano e acometido por receios". Não há nada de novo, a rigor, na descoberta de Charles Simic. Todo poeta _ todo escritor _ é, antes de tudo, um homem comum. O difícil, muitas vezes, é aceitar isso.

São poetas corajosos que, mesmo oprimidos pelo desprezo dos editores, do mercado e da crítica, continuam a escrever e escrever, sem permitir que a indiferença alheia os perturbe e os cale. O lugar comum seria dizer que são "operários da poesia", mas prefiro não vê-los assim. A noção de "operário" (com todo o respeito que ela merece pela coragem que a define) conduz, muitas vezes, à imagem de um trabalho automático e impessoal _ e eu bem sei o quanto esses poetas se desviam, o quanto tremem e sofrem para escrever. Nenhum automatismo: pura entrega, ainda que sem resposta, sem interlocutores, sem os benefícios da consagração. Nenhuma máquina, ou linha de montagem, trabalhando em seu lugar. Nenhuma repetição: ao contrário, a insistência absoluta no novo, ainda que ele seja incompreendido e confundido com a miséria.

Distingue Fernando Paixão: "De um lado, as figuras da alta literatura que fazem parte do passado; de outro, o prosaísmo dos poetas do presente". Simic se despede, assim, dos grandes poetas da tradição. Dizendo melhor: toma distância, colocando-os em seu lugar. Eles, com sua "grandeza", não combinam (não cabem) na era contemporânea. Sim, nós os lemos, eles nos satisfazem e entusiasmam. Mas, quando olhamos para os lados, vemos apenas poetas infernizados, que se debatem e sofrem com o manejo de suas próprias palavras. No lugar da reverência, o senso crítico. No lugar da pompa, a entrega. Que péssimas ideias costumamos cultivar a respeito dos grandes poetas. Eles nos parecem sobre-humanos. Temos a sensação de que se erguem e levitam acima de nós. Acima, sobretudo, dos poetas do presente. No entanto, o quanto sofreram para escrever seus versos. O quanto tiveram que lidar com o menor, com o ínfimo, para chegar a ser quem são.

Afirma Simic uma nova atitude diante da poesia, que vá além daqueles elementos que, habitualmente, consideramos "poéticos". Uma poesia além da poesia. Uma poesia para os poetas simples, que se contentam apenas com o que têm e que aceitam ser quem são. (E todo poeta, mesmo o "grande", não necessita disso?) Um elemento importante para o poeta sérvio é o humor _ que, muitas vezes, confina a poesia no mundo do "menor". Disse, em uma entrevista publicada em Michigan no ano de 2001: "Eu não sei como definir o humor, mas me parece que uma definição próxima pode ser encontrada na poesia moderna; sobretudo quando mobiliza elementos de irracionalidade mais atitude". 

Muitos poetas menores se sentem prisioneiros do "irracional", isto é, de impulsos que, em vez de enobrecê-los, os diminuem. A relação que Simic propõe entre a irracionalidade e a atitude é, aqui, inspiradora. Não se deixar amordaçar pelos grande cânones. Não se intimidar diante dos protocolos da consagração. Simplesmente escrever, enfrentando corajosamente as palavras. Importante sua ênfase na "anedota" _ ou seja, em tudo aquilo que acontece à margem dos eventos importantes. Tudo o que parece menor. Esses poetas sofredores - que não publicam, que quase não são lidos, que se sentem tão sozinhos _ sofrem, na verdade, desse sentimento de insignificância.

Há, neles, porém, uma grande força. Em sua arte, de modo secreto mas insistente, a poesia resiste. São poetas que escrevem, diz Simic, "enquanto as crianças estão caindo de sono e reclamando do barulho que você faz enquanto procura nos armários seus velhos poemas, receoso de que sua mulher os tenha jogado fora". Tudo lhes é adverso. Nada os favorece. Só têm meia dúzia de amigos para ler seus poemas e ampará-los. Mas, apesar disso, continuam a escrever. Chegou mesmo a hora de observá-los melhor. Levá-los em conta. Considerar seu esforço. Ver sua poesia _ sem brilhos, sem holofotes, sem pompa _ como um saudável alimento.


* Texto de José Castello, originalmente publicado em O Globo, dia 24 de novembro de 2014

domingo, 5 de abril de 2015

Trecho de Luna Caliente

Trecho de Luna Caliente (editora LPM, 1985), romance de Mempo Giardinelli. A citação foi extraída do capítulo XXIV.


Sentou-se na cama e tomou um gole de Coca-Cola que lhe haviam trazido, aguada, porque o gelo estava quase totalmente derretido. O calor era insuportável e o aparelho de ar condicionado, mudo, era outra forma de subdesenvolvimento. Mas isso não era importante. O importante era esperar. Se até o medo havia perdido... Via isso no espelho defronte à cama, que devolvia seu corpo sem camisa, seminu, no pescoço o chupão que lhe recordava a paixão por Araceli, sua mordida, sua sucção. A marca que era um testemunho do que acontecera, do que ele havia feito. Mas é um testemunho efêmero, pensou, logo passará, porque as marcas em poucos dias desaparecem. O testemunho interior, não, esse não desaparece. Não há simulação possível para a tristeza profunda, porque a tristeza não deixa marca alguma.  

sexta-feira, 3 de abril de 2015