segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O Prazo de Validade das Coisas

Você abre a dispensa e é soterrado por tudo que poderia ter sido. Você senta no sofá gasto e o velho Quintana lhe avisa que já são seis horas, há tempo... Se você tivesse a manha, teria seguido a risca aquele maldito livro de autoajuda que recebeu no amigo secreto da firma e hoje só serve de calço para a mesa da sala. Ou, quem sabe, teria escrito um roteiro mais fácil. Você não acha graça de suas elucubrações e abre a última garrafa. Não pode beber, está tomando anti-inflamatórios. Você fica impressionado com o prazo de validade das coisas. Disseram no noticiário que o mel não estraga. Você odeia mel. É doce demais. A hora é agora, você pensa. Mas você estava com um poema na cabeça e bateu o carro contra o muro de uma escola. A estação de trem está fechada. Você lembra que enquanto dormia, ela ria de verdade. E, agora, quando o riso começa a ecoar, você aumenta a televisão. Ela jogou sujo – mas quem não joga? Você poderia ter sido um boxeador ou um belo zagueiro de várzea, mas o problema é que você é vulnerável demais. Você abre a janela do quarto e a escuridão está serena. Os gatos aproveitam a deixa e se equilibram no parapeito. Olham tudo e não veem porra nenhuma. Poderiam pular para chegar mais perto, poderiam fugir para bem longe, mas eles desistem logo. Preferem ficar lambendo suas feridas.