terça-feira, 29 de julho de 2014

Fazendo uma Faxina ao Som de Eric Clapton


Coloquei alguns discos do Eric Clapton pra tocar e fui editar e reler alguns contos antigos para um futuro livro. Foi uma tarefa dura. Muito material. Mas, o que realmente me entristeceu, muito material ruim. Na primeira linha, já desapegava ou tinha vergonha de mim mesmo. Não rolava sequer uma leitura completa, crítica. Partia para o próximo. E assim ia.

É foda olhar para trás e se arrepender. Tem coisas que simplesmente não dizem mais nada. A conclusão é que só serviram de um grande esforço. Num olhar otimista, serviram de aquecimento para algo melhor. Mas isso é uma piada. As coisas não funcionam assim. O certo é que foi em vão. Um amontoado de pó digital e papel. Desperdício de tempo perdido que não serviu pra nada. Energia jogada fora e canalizada direto pro lixo. Quanta coisa deixei de fazer para escrever...

O que se passava? Que força estupida me levou aquilo? Deduzi que foi culpa da pressa e do medo. Eu tinha que expulsar os demônios. Botá-los pra dançar. Domá-los antes que eles tomassem conta da cidade. Enfim, pressa e medo, os mesmo culpados de sempre. A desculpa de todo o autor. Talvez, os mesmos motivos que fizeram Clapton compor alguns sons ruins, pensei. E esse acabou sendo meu consolo. As músicas ruins do Clapton. Tocou algumas durante minha faxina. Bem poucas, é verdade.

Me apeguei a elas. Senão, seria complicado seguir em frente.
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Citar uma ruim seria maldade, então vai uma das boas do homem...


sexta-feira, 18 de julho de 2014

O Momento Em Que Se Vira Escritor

" Eu tava preenchendo uma ficha que pedia a profissão. Eu já tava escrevendo jornalista, quando Jorge Amado me disse: apaga essa merda e bota escritor. E foi assim que eu virei escritor..."

João Ubaldo Ribeiro (1941 - 2014)

terça-feira, 15 de julho de 2014

Um Ano de Virose



Faz um ano que saiu meu livro de estreia, Virose, pela Bartlebee Livros. Não foi nada fácil. Poderia elencar as dificuldades para colocá-lo na rua. Mas o bacana foi que saiu. Fui lido por algumas pessoas, conheci outras tantas. A literatura tem disso. No fim das contas, é um diálogo. Não uma obra e só. A literatura acaba fazendo você sair do casulo, dando de cara com um público ou com a falta dele. E assim como eu, tem muitos por aí, nessa luta insana. E isso poderia me derrubar, mas, ao contrário, me deixa animado, porque conheci muitos deles e sei que são gente boa, com talento e afim de fazer a coisa acontecer.

Eu disse que não ia falar de dificuldade, mas...

Voltando ao Virose. O curioso é que depois de publicado, nunca mais o li. Foram tantos retoques que não tenho interesse (não agora) em lê-lo ou editá-lo. Ainda lembro bem os primeiros rascunhos, as madrugadas acordado, tentando não perder a história. Quando terminei, bateu um medo desgraçado. O que faço com isso? Com ele pronto e publicado posso dizer que não me arrependo do que consegui colocar naquelas 100 páginas. Virose tem um bom ritmo. Não é afetado. É direto.

Dá para dizer que fiquei satisfeito. Vamos ver daqui a dois anos, como ele vai envelhecer em mim.

Abraço a todos que me apoiaram, leram e ajudaram a divulgar. Tenho todos comigo.

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Mais sobre Virose: http://www.bartlebee.com.br/catalogo/livro/virose 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Um Encontro com o Dono da Verdade

Tive o desprazer de conhecer um formador de opinião. Estava numa esquina, sozinho. Como se fosse um cego vendendo bilhete de loteria. Ele sorria para as pessoas. Cumprimentava com um aceno ou só com a cabeça. Tinha pose, levava jeito para aquilo. Exalava erudição. Alguns, inclusive, cheiravam-no. Segundo o próprio, já tinha formado mais de 783.000 opiniões até o momento.  Tinha orgulho desse dado. Perguntei qual era a finalidade daquilo e onde ele queria chegar. Talvez quisesse competir com Jesus ou alguém do tipo. Não era para tanto, afirmou. Queria ficar só um pouco, um tempinho a mais que fosse, na cabeça ou no coração das pessoas. Já terá valido a pena, sentenciou. Não era possível. O bastardo era um romântico. Conseguia dormir à noite? Não, logicamente. Sua mente fervilhava. Mas teria muito tempo para descansar, profetizou.

Confesso que fiquei com inveja. Provavelmente, ele ficaria por mais uns tempos atazanando meus filhos e netos. Suas crônicas e artigos seriam catalogados e se tornariam leituras obrigatórias. Sua imagem ilustrando ideias e ideais viveria pra sempre, ou, pelo menos, até onde minha vista alcança. Sua cara de Buda e seu olhar sereno de pastor protestante preencheriam o imaginário. A verdade seria aquele rosto. A VER-DA-DE...

Pensei no meu filho, que nem existe, tendo de suportar aquilo. Ou, em um cenário mais tenebroso ainda, venerando aquilo. A VER-DA-DE. Meu filho tendo sua opinião formada pela VER-DA-DE daquele infeliz. Era demais. Apertei sua mão e desejei que ardesse no Inferno, que todas suas teses e teorias sumissem e ele fosse afundado por seu ego. Acrescentei, dizendo que o Capeta, só de sacanagem, deveria prender seu ego ao seu pé, para que ele arrastasse aquele pequeno mundinho durante toda sua estadia subterrânea. Filho da puta, você é um grande de um filho da puta, conclui bem baixinho e sereno próximo a sua cara, olhando eu seu olho de mestre. Só me acalmei quando ele me mandou a merda. Quem eu pensava que era, ele perguntava insistentemente. Dei as costas. Ele ficou vociferando sozinho. E eu subi aliviado no primeiro ônibus que apareceu.

domingo, 6 de julho de 2014

Em Casa V

Voltei em duas horas e meia. Subi a escada com dificuldade e tive que dar um encontrão na porta para entrar.

- Mais um dia difícil, Lucas?

- É...

- Mas hoje é domingo, Lucas.

- Sim, acontece que eu estava escrevendo um dos maiores contos da nova literatura brasileira, uma trama com diversas idas e vindas, personagens fascinantes, um ritmo frenético que mudaria pra sempre o que as pessoas pensam sobre o estilo policial e até mesmo o que elas pensam ser um conto. Mas tive que largar na metade para ir no supermercado. Supermercado! Eu fazia as compras e tentava lembrar onde estava o detetive, o médico assassino, as vítimas... E, ao mesmo tempo, onde é corredor do feijão, arroz, pão... E me perdi! Me perdi completamente. Tudo porque eu trabalho e não vivo dessa merda de escrever. Tudo porque a editora faz um favor em me publicar. Eles me tratam como um coitado. Eles não estendem um tapete vermelho pra mim, não me inscrevem em prêmios, feiras literárias e essa porra toda. Aliás, acho que eles não fazem isso porque eu sigo tendo que ir no supermercado aos domingos. Mas eu trabalho a semana toda e só tenho o domingo. Você entende? É de fuder! É de fuder! E, agora, como que eu vou encontrar o fio dessa história?

- As compras estão nas sacolas, Lucas?

- Claro, gato imbecil! Onde mais estariam?

- Comprou aquela ração mole de atum, Lucas?

- Não tinha. Então, optei pela “Salmão com Vegetais Frescos”.

- Ótima escolha, Lucas.

sábado, 5 de julho de 2014

Não Tem Tigres Na África

Só fui ver um filme em 3d faz pouco tempo. Gravidade era o título. Como tenho vertigem crônica, passei mal, demorei 20 minutos para me estabilizar, entrar no eixo. No fim, foi como um brinquedo novo, daqueles modernosos, sem graça.

Nada comparado a um Globo Repórter que assisti, numa sexta, tempos atrás. As gaivotas pousavam em meu ombro, os hipopotamos rolavam num lodo ao meu lado e eu podia sentir aquele calor africano em minhas têmporas (aliás, eu não sabia que tinha temporas até esse dia).

A tv era de tubo e não tinham oculos para outra dimensão. Foram algumas garrafas de ceva, um Domecq e outras porcarias. O calor estava insuportável e eu não tinha para onde ir. Sérgio Chappelin interveio. Vestia um traje safari. Me arrastou com um esforço considerável e me disse que tudo ficaria bem no sábado.

Antes que ele fosse embora, perguntei como suportava aqueles bichos todos esses anos e aquelas temperaturas malucas. Ele disse que tinha que ajudar sua família, eles dependiam da grana dele, senão tinha largado tudo aquilo de mão. Eu disse que família era tudo uma merda e ele sorriu.

Quando ele estava longe eu gritei. "Faltaram os tigres!". Ele respondeu que não tinham tigres na Africa. Era tudo uma invenção da Globo. Eu fiquei chocado. Fui dormir muito mal.