sexta-feira, 30 de maio de 2014

Em Casa IV

A gata preta, na poltrona ao lado da cama, roncava como um fusca 74.

- Acorda, Lucas!
- O que você quer?!
- Ela está roncando, Lucas.
- E daí?
- Falei que não era uma boa ideia ter trazido essa gata, Lucas.
- Agora, não tem mais volta. Não vou largar a bicha na rua.
- Mas ela ronca. Está difícil dormir, Lucas.
- Difícil é dormir contigo. Embaixo do cobertor e com esse bafo de peixe.
- Não tenho bafo de peixe, Lucas.
- Não sei como você tem esse bafo. Faz tempo que não te dou sardinha.
- Pode ser a ração de salmão, Lucas.
- Pode ser...
- Ela não para de roncar, Lucas.
- Deixa ela. Vai pros meus pés ou cai fora!
- Mas eu prefiro o travesseiro, Lucas.
- Deu! Sai, sai...
- Tá certo. Eu fico nesses panos aqui no chão. Mas dá pra ligar a estufa, Lucas?

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III - http://lsbarroso.blogspot.com.br/2014/05/em-casa-iii.html 
II - http://lsbarroso.blogspot.com.br/2014/03/em-casa-ii.html 
I - http://lsbarroso.blogspot.com.br/2014/01/a-primeira-coisa-que-faco-e-desabotoar.html 

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A dupla

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Esses Políticos

O pessoal que matou a mulher a pauladas em Guarulhos, certamente era um grupo de políticos.


Os que colocaram formol no leite de milhares de consumidores, foi comprovado, também são políticos.


Os torcedores que arrancaram um vaso sanitário do seu lugar de origem, jogaram na cabeça de um, matando-o na hora, são representantes do povo.


Todos que atiram lixo na rua e entopem as bocas de lobo são políticos.
São políticos também os que enchem a cara e fazem barbáries no trânsito.


Os que escrevem besteiras e emitem opiniões sem embasamento algum nas mídias sociais, logicamente...


Ah, você entendeu.


Esses políticos só fazem merda.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Abalo Sísmico - Poema de O Ano dos Mortos

Abalo Sísmico

Lucas Barroso

O que guardo comigo
Trago há muito
Como uma palavra que não existe
E que minha boca está quase por inventar
É uma vontade contida
De um desejo confuso
Está amargado em mim
Veio dos meus pais mortos
Da multidão de estranhos
Dos poucos amigos
Mas não é nada
Que possa ser descoberto
Ou inventado por alguém
É algo meu
Que arrasto como uma bola de ferro pelo pátio do presídio

Está na minha cara quando amanhece
E em todos os dias que amanheci

Agora, que estou ficando velho
Sinto palpitar em alguma parte daqui de dentro

Por teimosia
Jogo meus dedos contra as paredes da pele
Revisto minhas partes uma a uma
Volto meus olhos para dentro
Vasculho as tripas e os restos fecais
Separo os ossos dos músculos
Procuro a dor
Não encontro a dor
Acabo por me abraçar
Com a mais abrupta força que trago
Como se me amasse mais que tudo
Como se dissesse para mim mesmo
Que não tenho a real noção do tempo
E que tudo que guardo comigo
Não é meu

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Foto: Gabriela Di Bela

O poema fará parte do meu segundo livro, O Ano dos Mortos, editora Bartlebee Livros. O lançamento deverá acontecer até a metade desse ano.

Minha estreia, acesse aqui.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Garota, Eu vou Pra Morro Reuter

Quando eu me largar pra Morro Reuter, não vai ter direita nem esquerda. Lá, não será preciso desviar dos chatos pra seguir meu caminho (aliás, pra que caminho?). Os crentes, com suas trocentas visões sobre a Bíblia, não terão vez, nem voz. Certamente, os ecochatos não brigarão com os carrocêntricos em Morro Reuter. Nem os vegetarianos e os carnívoros. Todos sumirão do radar. As opiniões formadas sobre tudo e todos se perderão no silêncio da mata, brenhas, morros, picadas...

Minha úlcera vai se dissipar no ar taciturno de Morro Reuter. Porque lá não tem polêmica todo o dia. Enfim, meu amor e meu ódio por Porto Alegre será uma suave recordação.

Em Morro Reuter, no máximo, um GreNal...

E olhe lá!

sábado, 17 de maio de 2014

Tarde da Noite

Foto: Marília Macedo

Muitos levam a fama. Recebem os aplausos. Parece triste viver às escuras, mas me sinto bem em pensar que ajudei a construir algo. Como um soldado que cumpriu sua missão ou um pedreiro que ergueu uma viga. Simplesmente, alguém dos bastidores. Um figurante. Alguém sem rosto, entretanto, fundamental para que as coisas sigam seu ritmo natural. Um escritor fantasma que fez um belo discurso, que montou um tremendo raciocínio. 

À noite, quando ninguém vê, quando minha invisibilidade é mais evidente, é só nisso que eu penso. Nessa possível relevância. E acrescento: ah, sou um homem simples. Por que lutar por vaidade? O que há de mais em ser protagonista? 

E nesse instante, surge a voz de meu pai: basta fazer o que tem que ser feito, rapaz! É o que ele sempre me diz. Pra me confortar. 

Vai ver, o velho tinha essas ideias também. E sofria as mesmas angústias. Mas, em algum momento, ele desistiu, foi corrompido ou somente aceitou o tempo. Não sei. Difícil compreender. Eu ainda sou o filho. 

Contemplando uma noite sem estrelas. 

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Um Escritor Precisa De...

Vendeu muito, vendeu pouco. É polemico, não é polêmico. Tem uma causa, não tem. É popular, é erudito. Faz parte da cena, não conhece ninguém. Fez sessão de autógrafos, não fez. É de editora grande, é independente. Tem coluna em jornal, só publica em blog. Escreve no computador, rabisca num caderno.

Tudo isso não interessa na Literatura. O que é importa é:


TEM OU NÃO TEM POSE DE ESCRITOR? 

terça-feira, 13 de maio de 2014

Em Casa III

- Mais um dia difícil, Lucas?
- É...
- Já são 417 em dois anos, Lucas.
- Não sabia que você estava contabilizando.
- É uma boa maneira de matar o tempo. Vai beber hoje, Lucas?
- Hoje, não.
- E aquela garrafa nova, Lucas?
- Ela pode esperar.
- Vai escrever um pouco, Lucas?
- Também não.
- Você parece desanimado. Por que não sai, Lucas?
- Conheço toda a cidade. Esse apartamento é o melhor lugar prum cara como eu.
- Por que você trouxe pra casa essa gata preta, Lucas?
- Porque você está velho. Ela parece nova. E estava na rua miando. Achei que seria uma boa companhia.
- Mas eu não preciso dela, Lucas.
- Todos precisam de companhia.
- Eu me virava tão bem sozinho, Lucas...
- Eu sei, eu sei. Mas você vai se acostumar.
- Posso subir no teu colo, Lucas?
- Pode. Desde que você fique quieto.

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sexta-feira, 9 de maio de 2014

Adalberto Souza Mandando Bem



http://globotv.globo.com/tv-gazeta-al/bom-dia-alagoas/v/conheca-mais-sobre-o-trabalho-do-poeta-adalberto-souza/3334649/

Às vezes, esse povo que insiste na Literatura, que ama o que faz, tem seu trabalho reconhecido.

Foi o caso do amigo Adalberto Souza. Ele deu um depoimento bem bacana para o Bom Dia Alagoas. Falou do seu livro recente, Fantasmas Não Andam de Montanha-Russa.

Sobre o livro, posso dizer que há tempos não me deparava com uma história de amor. Sem pieguices. Sem doses cavalares de açúcar. Uma história repleta de solidão, medo e incertezas. Ao mesmo tempo, senti, depois de concluir a jornada, uma esperança pulsante naqueles versos.

Quem gosta de poesia, vale a pena ir atrás desse livro. Separei alguns trechos:

“Busque-me – encontre minha falta de sentido – na ausência desnorteada das tuas mãos”

“Preciso de alguém que me cale por dentro e me invente por fora”

“O inferno é a cara da solidão”

Vale a leitura!

quarta-feira, 7 de maio de 2014

O Que Poderia Ter Sido e Outros Documentários


Onde a Terra Acaba - 2001

Documentário, escrito e dirigido por  Sérgio Machado, conta a história de Mário Peixoto. Cineasta de um filme só, Limite de 1931, que está incluído no Livro 1001 Filmes que Você Precisa Ver Antes de Morrer. Onde a Terra Acaba é uma seleção de depoimentos do próprio artista, amigos e admiradores. Tudo costurado com cartas e trechos do diário de Peixoto, narradas por Matheus Nachtergaele.

É uma viagem poética . Uma fábula sobre o tempo onde o que importa é o que poderia ter sido. Comovente.

Outros documentários que fizeram minha cabeça, recentemente

- Mataram Meu Irmão - Dica do amigo Vinicius Porto de Avila. Uma porrada.
- Arquitetos do Poder - Sobre os marqueteiros políticos.
- O Demônio e Daniel Johnston - Insano demais. Triste demais.
- Crumb - Um gênio às voltas da loucura.
- Meu Tempo é Hoje - Uma comunhão com o tempo.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Oficina Literária

- Você é de Porto Alegre?

- Aham.

- E você fez a oficina do Assis Brasil?

- Não. Minha Literatura tá mais pros puteiros da avenida Assis Brasil...

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Diálogo do Poeta com sua Esposa - Poema de O Ano dos Mortos


Diálogo do Poeta com sua Esposa

Lucas Barroso

- Sopa de novo?
- Não temos dinheiro, você sabe disso.
- Pois é...
- E os versos, conseguiu vender algum?
- Não.
- Acho que seria melhor nós vendermos a casa.
- E vamos morar onde?
- Nos seus poemas, ora.

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Foto: Thalles Campos.

O poema fará parte do meu segundo livro, O Ano dos Mortos, editora Bartlebee Livros. O lançamento deverá acontecer até a metade do ano.

Minha estreia, acesse aqui.