quarta-feira, 31 de julho de 2013

Sombras


Éramos apenas seres isolados
Ilhas de fantasia
Rodeados pelo pó das paredes
Ressecados por memórias
E sedes insaciáveis

Agora

Estamos todos juntos
Unidos por um fio
Uma lâmina virtual

Nossa solidão é compartilhada
Nossa solidão se desprende pelo mundo
Pelos cabos
Pelas fibras ópticas

Mas seguimos com ela
Falsamente completos pelo outro

Outro

Este, que não existe
Que não passa de uma sombra
Que julgamos estar viva.

(Lucas Barroso)

terça-feira, 30 de julho de 2013

Até

Nós temos que viver com a perda e
talvez jogar com uma mão de cartas

ruim

e

nós sabemos o tempo todo qual é o placar.
Nós o suportamos como Hemingway
ou o descartamos como
Camus
mas nós sabemos
nós sabemos.

É assim que funciona e
damos corda no relógio e
esperamos pela

madrugada ou o parque de diversões
um sanduíche ou o
lixeiro.

Nós vivemos com isso e vivemos com isso até
morrermos.

(Charles Bukowski)

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Uma Casa em Forma de Cruz

Vista de cima, a casa do artista plástico e pintor, Flávio Scholles, tem o formato de uma cruz. Dizem que é para ficar visível aos extraterrestes. Estive lá em um domingo desses e não perguntei isso a ele, tampouco qualquer coisa. Aliás, tinha um número considerável de pessoas visitando seu espaço e conversando sobre suas obras. Eu fui lá para fazer o que se faz em espaços onde há arte: ver, sentir, tentar entender... 

Scholles tem mais de duas mil pinturas espalhadas pela sua casa. Quase todas à venda. Seu espaço fica localizado no meio de uma estrada, há uns 50km de Porto Alegre, na cidade de Morro Reuter. Deve ser bom viver lá, entre os morros e a natureza, quase no meio do nada. 

Mesmo assim, Scholles é popular e suas obras são atuais. Tem muito de contemporâneo e de cunho social em seus quadros: acesso a moradia, êxodo rural, homossexualidade, entre outros. Pablo Picasso e os cubistas permeiam seus trabalhos, em muitos exemplares dá para perceber a inspiração. Seus traços também remetem a alguns exemplos bem sucedidos de Pop Art. Inclusive, há outros produtos à venda com reprodução das obras, como canecas. 

Antes de conhecer o espaço de Flávio Scholles, achava que ele era um louco ermitão. No sentido pejorativo das palavras. Agora, acredito que sua “loucura” e seu "distanciamento" (foi professor da UFRGS, em Porto Alegre, e largou tudo para viver em Morro Reuter, onde nasceu), não tem nada de pejorativo e, sim, exatamente ao contrário. 

sábado, 27 de julho de 2013

...

- Escrevo porque tenho medo. Escrevo porque não sei guardar segredo.
- Que papo mais de mulherzinha! Achei que você escrevesse porque não tem uma arma. Porque tem vontade, mas não pode matar um homem. Então, nem vou perder tempo com teu livro.
- Mas nem se eu quisesse poderia ter uma arma. É ilegal...
- Eu sei, tudo é ilegal em nossa cidade.

E os dois assim seguiram. Imóveis naquela esquina deserta, consumindo doses acavalares de urros contidos. No céu, uma lua de boca triste clareava alguns restos de lixo e folhas secas. 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sergio Faraco Não Escreve Mais


Um dos meus escritores preferidos está vivo. Mora na mesma cidade que eu. E hoje faz 73 anos: Sergio Faraco. Quem me lembrou a data foi o amigo Caco Belmonte. É uma tristeza não conhecê-lo ainda. É uma tristeza maior saber que ele parou de escrever por um período indeterminado, segundo seu blog oficial. A nota saiu em abril deste ano. Além disso, encerrou seu contrato com a Editora LPM. Um baque. Uma lástima, certamente.

Faraco é o maior contista que conheço. Suas histórias, curtas, não entregam o jogo pro leitor. Tudo é personagem, não só "pessoas": vestes, paisagens, vocabulário... E tudo tem um ar melancólico (pelo menos, assim vejo, sinto). Meu primeiro livro dele foi Dama do Bar Nevada, uma seleção de contos. Gostei tanto que procurei outros. Hoje, tenho muitos. Vários em edições pocket, bem baratas. Contos Completos tem que estar na sua estante. Assim como o relato de viagem/diário sentimental, Lágrimas na Chuva, onde ele narra seus dias, entre 1963-65, na então União Soviética.

Há pouco, Phillip Roth também parou. Disse que não tinha nada a acrescentar. "Fiz o melhor que pude, com o que tinha". Será que foi essa razão de Faraco? Por que a vida não encanta, tampouco sensibiliza mais ele? Por que a vida não lhe oferece subsídios para novas histórias? Há algo errado. E não é com Faraco. É com a vida...

(...)

Para quem quiser saber mais, tem uma entrevista bacana dele: http://vimeo.com/49927955

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Virose - à venda


Foto: Thalles Campos/Divulgação

Já está à venda meu primeiro romance, Virose. Só R$ 25 no site das Lojas Singular e Livraria Saraiva (clique nos links). Seria bacana se vocês, que curtem literatura, pudessem ler. E se quiserem opinar depois... Daí, seria demais!

Bom, só posso dizer que é o que amo fazer... Estou faceiro com o resultado. E só pelo carinho que recebi nesse meio tempo, já valeu.

Virose é publicado pela Bartlebee, de Minas Gerais. A edição foi de Daniel Valentim, responsável pela editora. A capa do livro é do fotógrafo Ramiro Furquim, que colabora com diversos veículos e sites de notícias, como Sul21, Globoesporte, entre outros. A orelha foi escrita pelo jornalista cultural Lucas Colombo, do site Mínimo Multiplo, que também colabora com diversas revistas e sites, como Continente Multicultural, Revista da Cultura, Uol, entre outros.

Dentro de alguns dias, o livro também estará disponível em outros locais.

Dois trechos de Virose

"Por fim, os tiras cobriram o corpo. Retiraram as fitas de isolamento do local e conversaram entre eles, talvez agendando um encontro para mais tarde, quem sabe uma cerveja e umas fritas? Cairiam bem, naquela noite fresca. Dentro de algumas horas fotografariam outro defunto baleado ou envenenado. Seus trabalhos banais, como fazer pizza, escrever notícias, pintar quadro, atuar em filmes de ação. Eles estavam acostumados. As pessoas talvez não entendessem. As pessoas, aliás, não entendem muita coisa. Com o desfecho, resolvi entrar na pizzaria vermelha de sangue seco. O pizzaiolo e a caixa mostravam-se desolados. Seria trabalhoso limpar tudo. Seria trabalhoso apagar aquele dia da memória. Não era problema meu. Dei as costas, ainda consegui espiar o carro do Instituto Médico Legal que partia. Não tinha mais nada para ver. Nem para lamentar. Fui para meu apartamento".
Página 26


"O pai maldizia a Deus e a mãe rezava em silêncio. Os vizinhos consolavam as crianças, que não compreendiam o que acontecia ali. Muitos tentavam explicar o que ocorria. Contudo, eles não podiam mais encontrar nenhum sentido para aquele sofrimento, nem culpa nenhuma. Não entendiam como podia Deus, uma força bondosa e justa, levar alguém tão cedo. Qual era o motivo? O que se passava com Ele? Não havia sentido no sofrimento e na morte de uma criança pura. Era o que muitos ali, diante do caixãozinho, pensavam. Todos queriam saber o por quê. E Deus decerto que não poderia ser mau. Então, qual era Seu plano, haja vista que Ele tem um plano para tudo e todos? Ninguém sabia responder, ninguém sequer desconfiava da existência de uma resposta. Teria Deus dado as costas para aquela família pobre? Logo ele, que guiava e vigiava o caminho dos menos afortunados. Era mais fácil e confortável pensar que a criança tenha virado um pedaço de céu azul. E o céu estava, no momento do velório, azul".
Página 86

terça-feira, 23 de julho de 2013

XXXII

Volta e meia sonho com meus dentes se soltando da boca. Um a um, não todos de uma vez. Alguns ficam dependurados. Molares, caninos, incisivos, como pipocas. Sinto suas cavidades, suas texturas. Sinto eles mudar de lugar: da bochecha para debaixo da língua; escorregam pelo céu da boca até a garganta. O mais agoniante é que não os engulo. Tampouco os cuspo fora. Mantenho-os e me mantenho preso a alguma força estranha. Não posso falar, pois, em qualquer tentativa, correria o risco de ingerir diversos deles. E o que seria de mim se os engolisse? Preciso de ajuda. Mas não há ninguém. Estou de olhos fechados, mas tenho a ciência de que não há nenhuma pessoa ao meu redor. Estou fraco aqui onde estou. E onde, afinal, estou? Sei que não é em minha cama, sei que não é um lugar meu. Suo frio, minhas mãos e pés tremem. Estou só, com a boca cheia de dentes soltos.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Elvis Costello, o maior arroz de festa



Ele começou roqueiro (seus três primeiros discos são insuperáveis). Mas ele já foi meloso, e super reconhecido com a balada She. Também andou pelo jazz, blues, country. Tem quase 30 discos gravados, um deles com o maestro Burt Bacharach, e com uma penca de gente. Tem duas bandas (The Imposters e The Attractions) e um programa de TV, além aparições em diversos filmes. Suas músicas estão em trilhas sonoras conhecidas, como a já citada She, de Um Lugar Chamado Notting Hill, e Shipbuilding, do clássico Alta Fidelidade.

Agora, a parceria da vez é com a banda The Roots. E tem disco previsto para setembro. A junção parecia inusitada, mas Costello é o cara. Ele mete a mão e coisa fica boa, não tem jeito.

Separei alguns sons, só o fino:

O clássico Alisson, de 1977: http://www.youtube.com/watch?v=C9GlC9GyF4Y
(I Don't Want To Go To) Chelsea, 1978: http://www.youtube.com/watch?v=61Tp4pOwvFs
Accidents Will Happen, 1979: http://www.youtube.com/watch?v=f9sf7KldClk
Man Out of Time, 1982: http://www.youtube.com/watch?v=J76dprNEOgE
13 Steps Lead Down, 1994: http://www.youtube.com/watch?v=-NUOlQiy4K4

Who's Gonna Save My Soul



Por que preciso de tantas opiniões? Nesse tribunal virtual, não quero julgar nem ser julgado. Já tem gente suficiente jogando esse jogo. Eu estou fora. Estou buscando o fluxo das coisas minhas, dos dias que me perseguem lá fora. Dos dias que me fogem. 

Quero concentrar minha curiosidade e ver o que passou e não percebi. Não quero mais me prender e me perder em um discurso, tampouco distribuir um conhecimento que provavelmente não tenha. Um domingo morno, contigo, é o que eu quero. Sentir aquele momento e guardá-lo. 

Enfim, provar um pedacinho do que, tolamente, chamam de vida...

domingo, 21 de julho de 2013

Uma exposição para se ler


Quem é de, ou está, em Porto Alegre neste inverno, e gosta das letras, uma boa sugestão (quase uma obrigação) é dar uma espiada na exposição da artista plástica Elida Tesller, Gramática Intuitiva, no Museu Iberê Camargo (av. Padre Cacique). Suas peças muito criativas, inventivas e nada presunçosas. A maioria delas dão luz às palavras de uma forma tocante e original, deixando o espectador hipnotizado. Não precisa pagar nada e o Iberê, assim como a orla do Rio Guaíba, é lindo demais.

sábado, 20 de julho de 2013

Por Volta da Meia Noite



Não sei quando comecei a gostar de jazz. Pode ter sido no mesmo momento que comecei a gostar de uísque. Não sei... A verdade é que mesmo gostando do som, não entendo porra nenhuma de jazz. Não sou como o meu xará e amigo, Lucas Colombo, que sabe tudo de datas, notas, dramas, tramas e prazeres dos homens e mulheres que construíram o estilo. O cara é um especialista. Sugiro até a leitura de um artigo dele sobre Chet Baker.

Eu só sinto a música. Eu paro tudo quando ouço um jazz. No máximo, rabisco algumas bobagens. Às vezes, fico com o gato branco em meu colo. Noutras, tomo umazinhas. E só. Deixo o som ir percorrendo, meu corpo, a sala, meus pensamentos tolos... Dia desses, deu na TV a cabo: Por volta da meia noite, de 1986. A trama conta com um saxofonista negro, alcoólatra, velho e nitidamente cansado de lutar contra suas sombras, e um fã branco cheio de esperanças no cara. A maior parte da história, quase toda, se passa em Paris. “Sabe, sua música mudou minha vida”, diz o fã, em um dos momentos mais marcantes. Se puder, veja.

Depois fui ler um pouco sobre e descobri que era tudo tocado mesmo. O tal saxofonista é Dexter Gordon, músico reconhecido (e até concorreu ao Oscar pelo filme!). E o ator francês parece que é consagrado por lá. Recentemente foi protagonista em Os Intocáveis (2011). Mas o melhor é, obviamente, a trilha sonora, composta por Herbie Hancock, que também atua na película como pianista.

Trailer aqui: https://www.youtube.com/watch?v=nRFTIXDV3zM

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Meus livros e nada mais...

Cada vez que olho a minha estante penso em quanta coisa boa me deparei ultimamente. E quanta coisa tenho na fila para ler.Lógico, também tem alguns que deixei pelo caminho (Confraria de Tolos, Joana a Contragosto, A Estratégia de Lilith...). Não sou de forçar a barra, se não deu liga, eu abandono, largo de mão. Talvez, volte a eles outra hora... Mas puxando pela memória (que só presta pra isso!), esses foram os mais marcantes.

  • No Rastro de Chet Baker - Bill Moody (romance policial, recheado de jazz. Não é necessário dizer mais nada)
  • Lágrimas na Chuva - Sérgio Faraco (livraço de memórias do escritor que viveu na Rússia Socialista, na década de 60, vale muito e tem versão pocket pela LPM)
  • Vida - Keith Richards (Autobiografia. Rock passado a limpo e sem frescura)
  • Biografia Carlos Imperial - Denilson Monteiro (história do maior gênio-cascateiro do meio cultural brasileira. Tudo o que o Nelson Motta acha que é)
  • Mulheres - Bukowski (O velho Buk a R$ 5 mangos! Vi numa banca e comprei. Obrigatório!)
  • Sonhos de Bunker Hill - John Fante (a última história do maior de todos os escritores que viviam suas histórias. Aliás, ele inspirou o velho Buk...)
  • Jesus Kid - Lourenço Mutarelli (Peguei pela livraria da Folha, não foi muito fácil de achar. Mas valeu cada linha). 
  • Perdidos na Noite - James Leo Herlihy (roubei da casa de praia de uma amiga! O livro que inspirou o clássico do cinema. Muito bom)
  • Quando as Mulheres Saem pra Dançar - Elmore Leonard (Certamente, o melhor livro de contos que já li, um deles gerou toda a série Justfield).

Quando teus amigos somem

Às vezes, todo mundo sumia. Daí, eu ficava a mercê dos chatos, velhos ou desinformados sobre o itinerário da linha de ônibus. Outra alternativa, que volta e meia me acontecia, era levar um atraque da polícia. Até na luz os porcos não davam descanso. Mas eu estava solito naquela esquina, a mesma de sempre, quando sentou o velho Neno ao meu lado. Todos conheciam o velho Neno. O velho estava com um canivete em punho, uma laranja de umbigo na outra mão e uma sacola a tiracolo, com uma garrafa de 51 dentro. Sentou-se, esticou sua barriga para frente, arregaçou as mangas e, ao invés de chupar, cortou e comeu a laranja em nacos. O rosto, vermelho da tanta cachaça, contorcia em satisfação. Suas rugas pareciam cortes de facão e, a cada mordida, dobravam-se como o fole de uma gaita. 

- E aí, guri?
- Tudo bem com o senhor?
- Mais ou menos. Taria se tivesse a tua idade...
- E quantos anos tem o senhor?
- Oitenta e pouco – mascou mais um naco, quando um filete de suco se perdia da boca, usou a mão para levá-lo de volta. – Te digo que essa história de velhice ser a melhor idade, que tão falando aí na TV, é uma cascata da braba!

Eu não tinha perguntado nada. E decidi por assim fazer dali por diante. Sei como são os velhos. Eles te alugam os ouvidos e só soltam quando cansam.

- Como pode alguém cheio de remédio, de doença, de dor, com os amigo tudo morto, viver na melhor idade? Mas tu ainda não entende. Tu ainda não sabe o que é isso, guri – agora, ele mascaria mais um naco de laranja, porém, titubeou. Voltou-se contra mim, olhando bem na minha cara. – Me diz o que pode ser melhor que a juventude?
- É... – quando eu completaria, dizendo que não fazia a mínima ideia, ele se adiantou.
- Não essa tua juventude que vive em computador, com um telefone dependurado pra lá e pra cá, com a cara se esfregando na televisão. Mas a minha juventude... – Retornou para sua laranja ao perceber que não lhe oferecia resistência, talvez, fosse daqueles que só debatem quando há uma segunda força, uma segunda força contrária a sua. – Ah, mas que esperança! Que que eu tenho que te incomodar com isso...

Ergueu-se num urro, sentindo as juntas e o próprio peso da barriga. Equilibrou-se. Deu as costas e se foi, bem devagar, arrastando os pés na calçada. E nada de meus amigos aparecerem.